A propósito do Brexit, ou da União, ou não…

Quinta-feira, 5 Janeiro, 2017

Hélder Guerreiro

“…É muito comum ouvir dizer que a impaciência é contra-revolucionária. talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que, pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência…”
José Saramago, em Uma espécie de ensaio sobre a esperança

Depois daquilo a que ousamos chamar de “Brexit”, saída do Reino Unida da União Europeia, li um artigo do Vítor Bento que o define desta forma: “Iluminado o caminho e eliminado o papão que guarda a porta, à medida que o processo do Brexit vá transformando os monstros ideados em riscos concretos, o problema passará do campo da imaginação para o campo da razão…”
Este é, na minha perspetiva, o centro da questão: a porta de saída da União Económica e Política está aberta! Este facto fará, agora e para sempre, parte de todos os debates futuros sobre o futuro da União. Relevante questão…
Algum tempo depois veio o artigo do nosso Jorge Sampaio. Há ainda um editorial do David Dinis, um texto do Manuel Alegre, um artigo de resposta a todos os anteriores do Manuel Maria Carrilho e, finalmente, um texto de Ana Catarina Mendes.
Todos convergem na incapacidade da União Económica e Política em dar respostas adequadas às duas questões atuais: Uma crise financeira global; e a uma crise humanitária “regional”. Alguns apontam diferentes pistas de soluções mas procuram, quase todos, colocar o dedo nas diferentes feridas.
Ainda que todos me tenham inspirado para o que escrevo de seguida, quero realçar três deles: o do Vítor Bento porque foi o “primeiro” e que enquadra muito bem a “nova” Europa no contexto global; o de Manuel Maria Carrilho, pela negativa, pois tem a presunção de trazer algo de inequivocamente novo mas sinto que, apesar de merecer uma leitura atenta e de ter pontos de enorme relevo, é pouco mais do que um autoelogio desnecessário; e o de Ana Catarina Mendes por centrar o problema na questão humanitária e por falar de esperança num futuro em que António Guterres se constitui como portador de um novo fôlego para o tão necessário multilateralismo.
Faltou, a todos, abordar como se comportará a União quando os atores do tabuleiro global estiverem a praticar (neste momento já estão a ensaiar) reequilíbrios de forças (económicas e militares) a nível global. Falo, naturalmente, das relações entre os blocos Estados Unidos da América, Rússia e China. Iremos falar muito deste assunto (unilateralismo) num futuro próximo.
Neste momento procuro respostas para qual pode ser a narrativa que, no século XXI, seja capaz de mobilizar os Europeus e, por conseguinte, a União Económica e Política no momento em que descobrimos que, na prática, nos podemos desintegrar!? Como é que construímos uma Europa de parceria e solidariedade entre Europeus e o resto do mundo? Como é que construímos o sonho de uma Europa entre iguais! Como é que mantemos a utopia europeia de Vítor Hugo do século XIX?
A resposta simples é afirmando o modelo social europeu em oposição aos modelos mais ou menos totalitários que acenam com as bandeiras da segurança interna e do patriotismo assente numa certa ideia de soberania que no fundo já não existe. Não sendo fácil, essa afirmação, julgo eu que, deve ser, nos mesmos domínios de necessidades das pessoas: Garantir que a segurança das pessoas e bens se faz melhor num sistema democrático; e que o crescimento económico e bem estar se faz, da melhor forma, com a participação de cada um e de cada uma no sucesso do global.
Na verdade a resposta é incrementar o sentimento de pertença europeu com base no fortalecimento do projeto democrático europeu, mesmo internamente, a partir das duas questões centrais (crise financeira e crise humanitária), abrindo espaço para o surgimento de novas instituições europeias representativas.
Aprofundar a democratização da União Económica e Politicas deve passar por duas opções distintas mas com o mesmo objetivo: por um lado considerar que as eleições para o parlamento europeu devem passar a constituir-se, também e da mesma forma proporcional, como o ato de constituição de uma câmara baixa (executiva) que funcione como um governo europeu; Por outro lado, atendendo a que nem todos os países estão na União Monetária (e isso pode ser importante), essa câmara baixa poderia ser constituída a partir dos parlamentos nacionais dessa União Monetária de acordo com o resultado proporcional, por pais e pelas diferentes representações partidárias.
Em qualquer dos casos, esse governo europeu, seria democraticamente eleito, o que faz toda a diferença, responderia perante o Parlamento Europeu e seria responsável por três da politicas fundamentais da União:
• Política económica e fiscal comuns, que tenha como principal função harmonizar todos os 27 (ou 18) sistemas de impostos e de benefícios fiscais da união, bem como trabalhar o colocar em comum, totalmente ou parcialmente, as dividas soberanas de todos os países;
• Política de Segurança Interna que permita uma continuada liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais assente num sentimento de segurança que proviria de uma verdadeira articulação (comando, informação e ação) entre todas as forças de segurança da União;
• Política Externa Única que seja capaz de agregar as diferentes pulsões e naturezas (continental versos atlântica) dos estados da União Económica e Política e construir uma verdadeira natureza europeia que seja capaz de defender o seu modelo social frente a todas as dificuldades sejam elas ambientais, humanitárias, económicas ou militares.
Em conclusão e para dar resposta às duas questões base, a democracia e a liberdade, não podem deixar o “terreno livre” para a demagogia, esperando que o bom senso prevaleça. Em tempos de incerteza e medo o bom senso não prevalece! As soluções coerentes, moderadas e equilibradas devem ser defendidas e promovidas com a mesma energia e as mesmas armas das propostas demagógicas!
A União e a Democracia são projetos verdadeiramente radicais que obrigam, mesmo, à sua permanente defesa e à permanente confrontação consigo próprios enquanto projetos livres!
E, sendo a União e a Democracia desafios maiores, obrigam a líderes com coragem política porque, o mais fácil… mesmo o mais fácil…, é sair porta fora!

“A Europa política é a ultima utopia, a única aventura política de monta…A hostilidade que criará o seu fracasso só terá paralelo com as esperanças… que nela foram depositados após 1945.”
Dominique Wolton, em A última utopia – O nascimento da Europa Democrática

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