Nas muitas viagens que faço entre Ourique e Castro Verde é usual encontrar aquele homem, de idade indefinida e nome desconhecido, debruçado sobre o guiador da sua bicicleta. Ou levando-a pela mão como quem quer saber o que custa a viagem.
Já me habituei a cruzar-me com ele e a ultrapassá-lo e confesso que se há dia em que não o encontro fico preocupado e temo que alguma coisa lhe possa ter acontecido.
Mas não, no outro dia lá vem ele pedalando decidido naquela sua máquina do tempo, naquela vontade de querer chegar sabe-se lá aonde e porquê. A sua forma de galgar caminho parece-me ser (à falta de melhor ideia) paciente e serena, como quem saboreia o tempo e o espaço que lhe foi posto pela frente.
Em Ourique ou nos Grandaços ele terá com certeza uma meta invisível aos nossos olhos. Um propósito qualquer que o anima e que provém duma mistura de mecanismos de pedais, corrente, rodas e alento.
Obviamente qualquer coisa para além de nós. Suponho que este constante ir e vir é medido por um relógio que dá horas diferentes. Sem minutos e sem segundos.
Apenas marcando a ritmo de pedal o cumprimento de um dever. Ou de uma procura. Ou o sentir um nó que é preciso desatar e que demora tanto tempo. Vejo-o muitas vezes em Ourique, sentado, refrescando-se com um sumo, bebendo um café. Sempre só. Sempre silencioso e distante. Tem olhos que escapam ao nosso olhar e já vi que aquelas janelas da alma nada dizem da razão que o faz incansável.
Que D. Quixote será este, montado numa bicicleta, vencendo uma distância precisa dia após dia?
Assusta-me aquele afinco à estrada, aquela estranha certeza de sentir que naquela meia dúzia de quilómetros está quase toda a sua existência.
Sem razão que se descubra.
Um destes dias ao vê-lo lembrei-me de um personagem da mitologia grega chamado Sísifo. Do que me lembro, Sísifo enganou os deuses para escapar ao inferno e foi por isso cruelmente condenado a empurrar uma enorme pedra até ao cimo de uma montanha apenas com a força dos seus braços. Por causa do seu grande peso, a pedra voltava a rebolar pela montanha abaixo, não restando a Sísifo outra solução que não fosse recomeçar o seu esforço, todas as manhãs, sabendo que nunca teria êxito na sua tarefa.
Qualquer pessoa acharia esta sua tarefa completamente medonha e brutal, e imaginaria um homem com uma existência destroçada, chorando, fraquejando, lamentando-se.
Mas como escreveu Albert Camus, um escritor francês Prémio Nobel da Literatura, é perfeitamente possível imaginar um Sísifo feliz, porque no meio da aridez e da monotonia da sua vida conseguiu descobrir a verdade: Que a sua vida não é mais nem menos absurda. É como todas as vidas.
As nossas e a deste Sísifo alentejano.
Cada uma carregando a sua pedra ou a sua cruz ou pedalando uma bicicleta.
E quem sabe se para o homem da bicicleta não há uma montanha entre os Grandaços e Ourique.

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