Perigoso dislate

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Hugo Lança Silva

professor do ensino superior

O Supremo Tribunal de Justiça afirmou que “é irrelevante que o facto divulgado seja ou não seja verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e o circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o crédito ou a reputação do visado”.
Entendo que as decisões judiciais não devem criticar–se nos jornais; mas até a mais excepcional das regras admite excepcionais excepções: e esta decisão dos Excelentíssimos Conselheiros não pode passar sem reparos!
Não vou abordar neste espaço a aplicação directa dos Direitos de Personalidade às pessoas colectivas; também não me pretendo deter na quantia obscena (75 mil Euros) de indemnização a título de danos não patrimoniais!
Começo por frisar que foram injustas algumas das críticas corporativas ao STJ: este não condenou o “Público” por publicar uma notícia verdadeira, como fez eco a imprensa! Mas o que agora se escreve não escamoteia a nossa convicção: esta decisão, com a presente fundamentação, foi um dislate (fugimos à tentação de usar o vocábulo disparate, porque podia ser entendida como ofensiva!)
Justificamos a nossa convicção: desde logo, importa refrescar a memória do Tribunal: a publicação das pessoas com dívidas fiscais é uma prática habitual em Portugal, praticada pela própria administração fiscal (não obstante ser de moralidade e legalidade duvidosa). Depois, os jornalistas actuaram imbuídos do sentido de serviço público, revelando dados que são de interesse público, cumprindo escrupulosamente a Lei da Imprensa.
A fundamentação do STJ é desastrosa: afirmar que a irrelevância da veracidade do facto, admitir a possibilidade de condenação, num caso de explícito interesse público, é arrasar a liberdade de imprensa, jogar sobre os jornalistas uma anátema persecutória, implantar no meio jornalístico o medo em escrever verdades inconvenientes. E o momento do acórdão dificilmente poderia ser pior!
Não conheço o processo; até admito que dados os elementos do caso, a decisão do STJ tenha sido correcta; mas a fundamentação é absurda e basta isto para que o acórdão seja um perigoso dislate! Os conselheiros não podem continuar a ignorar, que, bem ou mal, os acórdãos são hoje discutidos na praça pública; a frase com que iniciamos, devia ser ensinada no CEJ – Centro de Estudos Judiciários como um exemplo: um perfeito exemplo do que nunca se pode dizer!

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