“Ao longo dos anos, fui criando em mim o hábito de olhar Mombeja através da objectiva da máquina fotográfica, ora admirando os contrastes entre as vestes escuras das suas gentes e o casario que reflecte a luz da cal, ora contemplando as suas ruas de esquinas furtivas onde, num banco aqui, noutro acolá, se sentam e se contam as estórias de vidas marcadas por sulcos agrestes e recordações perenes.
Vou registando em mim as imagens que depois tento traduzir em fotografias: um sol que abrasa mas aquece, que se esconde mas ilumina, como nas noites estreladas e de lua plena.
E, num final de tarde, ouço um coro de vozes que entoam a melodia alentejana, com alto, com ponto, com alma, sob o perfume que me traz o fumo das chaminés.
É um registo que fica no espírito e que se experimenta transportar para a fotografia.”
Foi este o texto que escrevi para o folheto de apresentação da exposição de fotografias que inaugurei no edifício da Junta de Freguesia de Mombeja.
Nessa sessão, embelezada pelas melodias alentejanas do grupo coral feminino local, ouvi do presidente da respectiva Junta palavras certeiras, desinibidas e cheias de assertividade: as exposições não são só aquelas que se podem ver nas grandes galerias, nos grandes centros urbanos.
Ao escutar aquelas palavras, dei por mim a olhar em meu redor e a interrogar-me se muitos dos que ali estavam alguma vez tiveram a oportunidade de visitar uma galeria de arte, uma exposição de pintura ou de fotografia, se alguma vez tiveram contacto com outros modelos de cultura que não aqueles que são veiculados por organismos institucionais.
A fotografia tem-me levado a muitos recantos deste nosso Alentejo. A aldeias e montes onde ainda há pessoas que resistem e permanecem, indiferentes ao êxodo, recusando a fuga em procura de uma terra melhor.
Este Alentejo rural, profundo, parece por vezes só estar ligado ao mundo exterior através da televisão ou de um aparelho de rádio, de um ou outro passante, pela visita rara mas calendarizada de políticos em propaganda.
Estas gentes, deste mundo rural, olham para as fotografias expostas e reconhecem cada pedaço de calçada, cada troço dos caminhos poeirentos, cada esquina, cada rosto retratado. E demoram-se nos comentários, intensos nas recordações, interrogadores no futuro, indiferentes à qualidade (ou falta dela) dos trabalhos suspensos nas paredes.
E regresso às palavras que ouço da boca do autarca, que querem dizer que a cultura também se pode descentralizar e que não se deve confinar aos salões iluminados das galerias que “vendem” Arte.
Questiono-me, depois, quantos artistas, homens e mulheres da Cultura com “cê” maiúsculo, seriam capazes de abdicar desses tais salões e galerias, que servem croquetes e salgadinhos, acompanhados por néctares servidos em flûtes de cristal, onde expõem em catálogos subsidiados, de papel couchê comparticipado, em suma, interrogo-me quantos destes artistas concederiam em ter no seu curriculum uma exposição em meio rural, onde poriam em prática a descentralização com que constantemente enchem os seus discursos.
Quantos fotógrafos, pintores, escultores, daqueles credenciados, mediatizados, a maior parte deles a viver à sombra dos apoios (uns privados, a maior parte oficiais) seriam capazes de descer à terra e mostrar a sua arte àqueles que raramente têm acesso a produtos culturais de qualidade, mas que tão bem servem para ilustrar a sua Arte, que depois é vendida a preços impensáveis?
Descentralizar a cultura – a Cultura – é uma tarefa dos governantes, mas deveria ser, também, um desígnio dos agentes que fazem dela a sua profissão.
<b>PS.: </b>Na notícia sobre a exposição de Mombeja, publicada na edição de 30/3/2007, o “Correio Alentejo” atribuiu-me as funções de chefe do Gabinete do Comandante da BA11, que não desempenho, apesar de ser naquele Gabinete que exerço a minha actividade profissional. Fica aqui a rectificação.
<p align=’right’><b><i>(crónica igualmente publicada em
<a href=´http://www.pracadarepublicaembeja.net´ target=´_blank´ class=´texto´>http://www.pracadarepublicaembeja.net</a> )</i></b></p>