Parentalidade

Vítor Encarnação

Parece escusado dizer-se que ninguém é pai ou mãe sem ter sido filho ou filha. Para esclarecer esta redundância é necessário afirmar que há um conjunto de aprendizagens afectivas, cognitivas e sociais, ou a ausência delas, que marcaram a infância de cada um e se replicam, ou se tentam replicar, agora na condição de pais.
Nos últimos tempos, as crianças e os jovens têm sido objecto de uma crescente importância jurídica e paralelamente têm vindo a gozar de crescentes direitos de protecção, assegurados e aplicados por instituições de âmbito local. Mas infelizmente nem toda a legislação, nem toda a regulamentação e nem toda a definição dos direitos e deveres que enquadram o relacionamento entre pais e filhos têm sido suficientes para prevenir ou pôr termo a situações complexas.
O núcleo familiar insere-se na esfera privada e tal facto origina frequentemente o desconhecimento de casos, ou, se conhecidos, dificulta muitas vezes a sua simples abordagem e frequentemente impede a sua resolução.
O conceito de parentalidade, nas suas várias dimensões, é entendido de diversas formas pelos pais.
Há quem o perceba nas suas dimensões jurídicas e psicológicas e entenda que um filho ou uma filha não são uma sua propriedade sobre a qual se pode exercer um poder discricionário. São estes os pais que, independentemente de toda a legislação, para quem nem era necessário que a houvesse, conseguem replicar esse conjunto de aprendizagens afectivas, cognitivas e sociais. São estes os pais que não precisam de ser reinventados e que, para além de bons exemplos, podem ser parceiros na consecução dos objectivos por parte das instituições.
Há quem não o perceba porque não tem a capacidade de interpretar a lei, sequer de exercer o seu papel de progenitor. São estes os pais que por ausência de aprendizagens afectivas, cognitivas e sociais na sua infância não conseguem compensar e dotar aos seus filhos de algo que eles não tiveram. Estes pais precisam de ser ajudados e são, porventura, os mais disponíveis para receberem esse apoio.
Há quem o perceba na teoria mas não o aceite como válido e o considere impertinente e uma ingerência abusiva do estado e das instituições na sua vida privada. São estes os pais que entendem ser da sua exclusiva responsabilidade a educação dos seus filhos, raramente admitem que falham e defendem incondicionalmente os seus rebentos. Neste modelo reside a maior dificuldade de relacionamento institucional e o caminho para o auxílio estreita-se quase sempre.
São estas três tipologias, sobre as quais se fez uma análise simplista, que reflectem a sociedade em que vivemos. Há quanto a mim um número que vai diminuindo na primeira tipologia referida e um número que cresce na segunda e terceira tipologias. Preocupa-me muito quem não consegue, mas confesso que me arrepia muito quem não admite o erro.
Quando falo destas coisas lembro-me sempre de uma frase que ouço desde miúdo, às vezes injusta, outras vezes acertada, outras vezes ofensiva: “Muito bons são os moços tendo em conta os pais que têm”.

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