O mistério da concepção

Vítor Encarnação

O mistério da concepção é demasiado denso para os homens. Levado pelo hábito da carne ou movido pela paixão, de luz acesa ou de luz apagada, nu ou de calças de pijama descidas, saboreando carícias ou despachando-se, precisando de sussurros ou apenas de silêncio, há uma noite – normalmente é de noite, é pena normalmente ser de noite pois assim os pássaros não estão a cantar – em que um homem deita boas sementes de si, dois a cinco mililitros de vida em potência.
E já vazio, com beijo ou sem beijo, com palavras de amor ou com palavras nenhumas, com cigarro ou sem cigarro, com sono ou sem sono, um homem deita-se do lado que lhe pertence, poisa a cabeça na almofada e não imagina o resto.
Não imagina que enquanto vira as costas, apaga o cigarro, vai beber um copo de água, dezenas de milhões de sementes correm desenfreadamente a caminho do útero, os mais fracos vão morrendo pelo caminho, e apenas um, talvez aquele que leva o fogo todo, vai em vertigem até às trompas de Falópio e penetra o óvulo.
Demora aproximadamente vinte minutos a entrar nele e a deixar lá todo o código genético de um homem que por essa altura já deve estar a ressonar.
Não faz por mal, mas não sabe que o processo da ejaculação até à fecundação pode demorar cerca de sessenta minutos e que se forma uma coisa chamada placenta e que os vasos sanguíneos entrelaçados formarão o cordão umbilical e que uns tempos mais tarde, o sangue materno chegará ao sangue do seu sangue através de uma única veia. E que a partir das dez semanas o feto se começa a mover e que depois das 13 semanas o crescimento se mede por meses lunares. E que no sétimo mês lunar, nos meninos, os testículos descem do abdómen para o escroto.
E há um dia em que a mulher de um homem lhe diz que está grávida. Vai ser pai, eis a palavra. E na primeira vez que a ouve, estranha é a palavra pai, estranho é uma consoante e duas vogais, uma sílaba só, um som tão curto, uma palavra tão pequena ser do tamanho do mundo, maior do que a própria vida. Um homem diz a palavra e é tão estranhamente bela que o eco não se cala.
Encosta o ouvido à barriga da mulher e tenta descodificar o silêncio daquele ninho. Os dedos sobre a pele são astronautas tontos e felizes pousando na superfície da lua. Mas ao contrário da lua, aqui acontece um pequeno passo para a Humanidade e um grande salto para ele.
O umbigo é a fechadura do segredo do que se passa lá dentro.
A mulher tem agora dois corações e sem ela saber ele coloca lá o seu dentro do líquido amniótico.
Por entre suor, fluídos e carne – tudo começou assim – o filho surge rasgando a mãe, a cabeça primeiro para perceber a luz do mundo.
Agarrado ao cordão umbilical, o coração do pai bate desalmadamente.

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