Ano novo referendo à porta

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Sandra Serra

Ano novo vida nova! Doze passas, uma charingadela de champanhe, caneca velha ao chão. Alegria, alegria. Deita-se para trás o ano velho que agora é que vai ser. Fazer desporto, deixar de fumar, concluir o tal curso, ter mais tempo para ler e viajar, procurar um novo emprego, género de desejos ou compromissos com que entramos no novo ano.
A muito boa gente passará pela cabeça comprar um carro novo ou fazer a tal viagem às Caraíbas, casar, dedicar-se à natação, ter um filho. Ninguém terá como desejo ou apontamento no caderninho de intenções para o novo ano: fazer um aborto. Ou interromper voluntariamente a gravidez. Simplesmente porque é algo que ninguém deseja, mas que, invariavelmente, acontece. E se acontece talvez fosse um bom item para escrevermos no nosso caderno de intenções para 2007: não ignorar. Não virar as costas e fazer da interrupção voluntária da gravidez (IVG) um “assunto” que não nos diz respeito.
Começamos o novo ano com um referendo sobre a despenalização da IVG nas primeiras 10 semanas de gravidez. Tal como há oitos anos atrás as equipas estão formadas. A equipa do não. A equipa do sim. E a equipa do não tenho nada a ver com isso, a equipa vencedora no referendo de 1998. O que é estranho para nós portugueses, sempre com uma opinião tão formada em relação a tudo. Mesmo que não perceba nada do assunto, o português tem sempre uma opinião, seja sobre a guerra no Iraque, seja sobre a nova Lei das Finanças Locais. E como é que é possível que não tenhamos opinião sobre a IVG? Ou melhor, como é que é possível que não consigamos marcá-la no quadradinho do boletim que pergunta se concordamos com a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas num estabelecimento de saúde por livre vontade da mulher? É o País que temos, dirão alguns. Do que nos interessa, porque nos toca directamente, geralmente ao bolso, e do que não nos interessa, dos problemas dos outros.
A dois meses do referendo, as equipas do “sim” e do “não” já estão em campo. Figuras mediáticas dão a cara por um ou outro movimento. Durante dois meses os cidadãos portugueses serão inundados com as justificativas de uma ou de outra opção. Discutem-se questões mais éticas, filosóficas e religiosas, como quando é que um feto se torna um ser humano ou qual o direito da mãe sobre a vida do feto. Questões mais práticas como: deve ser o Estado a financiar as IVG? E aventam-se futurismos como afirmar que a liberalização do aborto irá transformar-se em mais uma forma de contracepção que pode passar a ser usada indiscriminadamente pela mulher.
A partir de agora cada uma das equipas do “sim” e do “não” tentará moldar eficazmente o discurso dos meios de comunicação sobre o tema, puxando a análise para a polémica que mais favoreça a sua opinião. A todos os cidadãos da equipa do não tenho nada a ver com isso, é pedido, somente, que não ignorem, que pensem e expressem a sua opinião, seja ela a favor ou contra. Em consciência e com justeza. Para que a indiferença e o alheamento não voltem a ganhar. Não valerá a pena fazer mais esta anotação no seu caderno de intenções para 2007?

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