Os acontecimentos do bairro da Quinta da Fonte, em Loures, trouxeram para a ribalta questões candentes como o racismo, a pobreza, as desigualdades e a exclusão social. A pretensa “luta” entre a comunidade africana e a comunidade cigana, que, muito provavelmente, mais não foi do que um desaguisado entre alguns membros destas duas comunidades numa disputa por territórios de venda de droga, foi trabalhada por alguma comunicação social numa perspectiva hipersensasionalista que pretendeu “ler” os acontecimentos como algo resultante de um súbito e insustentável agravamento das condições de vida e transmitir para o grande público uma sensação de crescente insegurança. A comunidade cigana residente na Quinta da Fonte foi apresentada e apresentou-se como “vítima” de um pretenso ajuste de contas quase promovido a tentativa de limpeza étnica, tentando forçar a Câmara Municipal de Loures a atribuir-lhes novas casas num qualquer outro bairro social.
Estes acontecimentos permitiram, no entanto, que se voltasse a abordar um conjunto de questões relacionados com os comportamentos das comunidades ciganas, facilitando um novo olhar sobre este grupo étnico, com tão manifestas e ignoradas diferenças quer enquanto grupo, quer enquanto minoria. Não há números exactos sobre a dimensão da comunidade, variando as diferentes versões entre os limites de cinquenta e cem mil cidadãos portugueses. Um erro comum é pensar <b>os ciganos </b>como tal, como um grupo socialmente homogéneo sem diferenças internas, a quem se atribui uma marginalidade global que desencadeia indesejabilidades múltiplas. Embora as comunidades ciganas possuam códigos internos muito rígidos, que contribuem para sustentar a coesão que lhes permitiu sobreviver enquanto minoria étnica em toda a Europa Ocidental (com diferentes ameaças e perseguições, a mais importante das quais terá sido o holocausto nazi) e lhes permite manter a diferença e as especificidades face aos não ciganos, a verdade é que dentro desta minoria existem também diferenças significativas, fundamentalmente de base económica. O mito do nomadismo cigano, longe de constituir um “desígnio étnico”, decorre da necessidade da sobrevivência de muitas famílias, na procura de trabalho (essencialmente agrícola e sazonal) e na procura de novo local de residência, escorraçadas que são de muitos locais e constitui uma expressão de pobreza e de exclusão social. Mesmo nos ciganos sedentarizados, a pobreza e a exclusão estão muitas vezes presentes, com tonalidades características decorrentes de práticas que contribuem para a sua perpetuação, como é o caso do abandono escolar ou do papel muito “endógeno”, limitado e condicionado, que cabe à mulher na estrutura social cigana.
Para os não ciganos torna-se, muito frequentemente, difícil aceitar muitos comportamentos desta minoria. Para quem não é, normalmente, bem tratado e é olhado de lado, o papel de protecção do grupo é importantíssimo, como o são, também, as manifestações de solidariedade, na doença, na morte ou nos momentos de ameaça ao próprio grupo. Daí a sensação de ameaça, de invasão de territórios que é suposto não serem invadidos, que os não ciganos experimentam com frequência e que não sabem descodificar. Perceba-se claramente que não podem ser exigidos comportamentos de civismo exemplar na conservação de espaços a quem nunca teve um espaço seu, a quem nunca soube o que era a recolha de lixo, um esgoto ou água quente canalizada. No entanto, também aqui as coisas estão longe de serem homogéneas. Factores múltiplos, que vão desde algum aculturamento à sociedade do hiperconsumo ao aproveitamento dos interstícios da lei que enquadra benefícios sociais como é o caso do RMG/RSI, moldados por estratégias quase espontâneas de sobrevivência, levam, com alguma frequência por vezes preocupante, a comportamentos de violência verbal ou mesmo física ou que para lá caminham, com o potencial de confronto conhecido.
Um livro muito recente, da autoria de uma equipa coordenada pelo prof. Alfredo Bruto da Costa (<b><i>Um olhar sobre a pobreza – vulnerabilidade e exclusão social no Portugal contemporâneo</i></b> – Gradiva, Junho 2008) proporciona instrumentos que facilitam em muito a reflexão e a leitura desta realidade. E faz-nos perceber que não é com guetos e muros altos que se resolvem diferenças que são para respeitar e não para esconder.
ANAFRE de Beja reuniu na freguesia do Rosário
O fecho do posto dos CTT em Santa Vitória (Beja) e os processos de desagregação de freguesias foram duas das matérias tratadas na reunião descentralizada