Houve tempos em que cantar ainda não era um património cultural, a comida ainda não se chamava gastronomia, as lonjuras ainda só cansavam as pernas e os sonhos, a calma não acalmava assim tanto, o vinho não se bebia em copos de pé alto nas casas de turismo rural. Cantava-se para purgar contrariedades, comia-se para se matar a fome, calcorreavam-se léguas de pó e lama, suavam-se sóis debaixo das boinas e o vinho fazia esquecer a manhã seguinte e bebia-se nas tabernas em copos pequenos como a vida.
Os tempos mudaram, nós mudámos o tempo e o tempo mudou muita coisa. Mudou a percepção que as pessoas têm de nós, mudou o conceito de arte, a ideia e a prática de cultura. Aprendemos que aquilo que anteriormente era visto como antigo, provinciano, popularucho, folclórico e nunca podia fazer parte da cultura enquanto conceito global, é afinal o que nos define, aquilo que nos distingue.
Houve dois factores fundamentais para essa mudança: por um lado a percepção, alicerçada num conhecimento antropológico, histórico e social, de que a nossa tradição é a espinha vertebral que nos sustenta como povo, e por outro lado o crescente fascínio que esta ruralidade nas suas mais variadas formas de expressão provocou um pouco por todo o lado. Há na nossa ruralidade uma elegância que seduz. Uma espécie de reencontro com um paraíso perdido. E isso explica-se porque, para se entender a si mesmo, o ser humano precisa de regressar às emoções, precisa de deixar fluir o tempo para poder fruir a vida. E nós temos tudo isso, temos um passado de portas abertas, um passado digno, orgulhoso, um largo onde as pessoas podem ver e tocar e sentir e saborear, um passado que, através de uma lapidação aturada e apurada, soubemos transformar em presente e que sabemos terá de ser o caminho para o nosso futuro. Quem nos havia de dizer a nós que o cante, o vinho, o pão, o montado, o azeite, a lonjura e o vagar, seriam a trave mestra de uma identidade tão amada?
Soubemos explicar o que temos e o que somos. Ainda fomos a tempo de resgatar a nossa essência, assumimos que somos o que somos porque fomos aquilo que fomos. Deixámos de ter vergonha e algum complexo de inferioridade, abrimos portas, janelas, baús, peitos, bocas, olhos, montes, horizontes, memórias, museus. Resgatámos a poesia popular, as violas campaniças, os grupos corais, o despique e o baldão, recuperámos palavras perdidas, salvámos receitas e histórias. Soubemos fazer a tradução da tradição. Mais que um entretenimento ou um passatempo, a tradição é um abraço, uma partilha, uma questão existencial, uma causa colectiva.
A ruralidade não é um postal ilustrado, uma fotografia que se publica nas redes sociais, um livro que se compra e se esquece, um CD que se leva e não se ouve.
A ruralidade não cabe dentro de um saco de asas. É preciso uma alma grande.
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Gonçalo Valente, Diogo Lança e Luís Freitas são os candidatos únicos à liderança das secções do PSD em Ourique, Almodôvar e Odemira, respetivamente, que vão