Por que é que o pão tem cabeça?

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Sandra Serra

Alguém sabe responder-me a esta questão? Por mais disparatada que possa parecer. Às vezes é preciso parar para pensar nestas coisas, mesmo que não se chegue a conclusão nenhuma e mesmo que a conclusão a que se chegue não sirva absolutamente para nada a não ser poder-se colocar a questão a alguém, admirar o seu ar confuso, e responder-lhe na ponta da língua, entre um sorriso vencedor. É daquelas coisas. Conheci em tempos um rapaz que se gabava de saber coisas assim. Que não interessavam a ninguém. Tipo quantas teclas tem um computador. Se ele gostava de olhar para a malta com cara de parva. Desculpem-me a insistência, mas eu penso que descortinar esta questão, a de porque é que o pão tem cabeça, é pertinente. Principalmente porque não conheço ninguém que o saiba, e acreditem que já coloquei a questão a muita gente. Talvez não à certa. À gente que pensa estas coisas.
A minha mãe não sabe, a minha avó também não sabia. Mas as duas faziam pão com cabeça. A padeira Lisete também não sabe, nem a senhora do mini-mercado que desde sempre vende pão com cabeça, mas que responde, com a maior certeza do mundo: “Porque sim. Sempre foi assim”.
Certo é que todas elas concordam: é no tender que está a fase mais delicada do processo.
Tarefa difícil, essa de ajeitar a massa. Houve muita moça nova que não conseguiu apanhar o jeito de rodar o pão de forma gentil e ritmada para, por fim, lhe colocar a cabecinha encostada ao resto do corpo.
Talvez o pão com cabeça tenha sido um acidente, um improviso. Talvez tenha sido elaborado com a sabedoria e confiança da natureza onde a beleza da criação acontece, por um acaso perfeito.
Mas não encontro nenhuma razão lógica para fazer um pão em que a cabeça não serve para nada. Pode servir para fazer umas sopas no final da semana, ou para uma açorda, talvez, mas de resto é só para cortar. Nem cabe na torradeira! Dá mais jeito para agarrar, é certo. Com as mãos firmes no alto do cocuruto pode-se agarrar com confiança, sentir a sua completa corporalidade. Ainda assim esta facilidade servirá apenas se quisermos fazer do pão arma de arremesso, lançamento do pão.
O pão alentejano é o único pão que tem cabeça (é preciso ter cabeça para conseguir uma coisa destas. Não é qualquer uma que se lembra disto). Agora quem é que se lembrou e porquê, sabe-se lá. É a tradição, dir-me-ão. Vem dos antigos. Porque sim, porque foi sempre assim, como dizia a outra. O certo é que isto do tradicional pega, as pessoas gostam de comer pão tradicional, mesmo que ele lhes apareça à mesa cortado às fatias dentro de sacos de plástico.
Temos parecenças, nós que nos dizemos ser pensantes e o pão. Temos vida, contamos do passado e do presente, levamos palmadinhas à nascença, envelhecemos com o tempo, temos cabeça. Alguns de nós usam-na, outros não, e, à semelhança do pão, pavoneiam-na, garbosos, porque alguém lhes deu essa forma, e não a utilizam para nada.
Acidente, acaso perfeito, sabedoria. Nós e o pão. A cabeça está lá, mas porquê e para quê? Diga-me quem souber que eu não chego a conclusão nenhuma e gostava de saber esta, nem que fosse para, tal como o rapaz que conheci em tempos, atirá-la à cara da malta. Aguentar uns segundos olhando para a cara confusa e arremessar-lhe com a resposta. Toma lá que esta não sabias tu! Falo, claro, da razão da cabeça no pão. É que o porquê da cabeça em certas pessoas, isso, isso já é outra história.

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