A banalização das greves

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Carlos Monteverde

A greve está consignada na Lei como um direito dos trabalhadores, nos países em que vigoram regimes democráticos. Inquestionável.
Ela foi reconhecida e aceite pelos diferentes parceiros sociais, como o último recurso a que os trabalhadores recorrem, quando falha o processo negocial.
Portugal aderiu à Comunidade Europeia e como em todos os casamentos ganhou direitos, mas também tem deveres, e um deles é cumprir o Pacto de Estabilidade.
Ao entrarmos para a então CEE, o nosso atraso económico e social era por demais evidente e notório. E como aconteceu com todos os países admitidos, tivemos direito a milhões e milhões de Euros para formação e em subsídios para as mais diversas áreas.
Como é sabido, fomos a par da Grécia e da Itália, o país que menos aproveitou na área da formação e mais fraudes cometeu com os dinheiros comunitários. Muitos, os oportunistas do costume, governaram-se com dinheiros indevidos de forma escandalosa e tantas vezes impune. E o regafobe, ajudado por governos medíocres, foi continuando. Venderam-se os anéis para ir equilibrando orçamentos de mentira, até que já nem foi preciso gritar que o Rei ia nu. Toda a gente viu, menos alguns que não viram nem nunca vão ver, pois para eles o Estado tem umas máquinas rotativas de fazer dinheiro, que também fazem umas horas extraordinárias.
A grande verdade é que todos sabem que Portugal vive há muitos anos acima do que pode e do que trabalha.
Tudo isto é a razão principal e explica o motivo porque os portugueses deram a maioria absoluta a Sócrates e ao Partido Socialista. Que explicou ao país que teríamos de gastar menos, por não haver riqueza para distribuir, e que os sacrifícios tocavam a todos. Pela primeira vez foram cortadas algumas regalias escandalosas que a classe política também tinha amealhado e que esperamos sejam para continuar, para que a moralização seja permanente.
Só que depois aconteceu o que talvez já fosse esperado. Nenhuma classe corporativa estava disposta a perder “direitos adquiridos”, até porque cada uma delas pretende ser mais importante que as outras, indispensáveis à modernização e ao futuro do país, que aliás os portugueses tiveram oportunidade de apreciar em todos estes anos. O velho refrão da extrema esquerda no Verão de 75, “Os ricos que paguem a crise”, é agora substituído por um mais actual “Os outros que paguem a crise”.
A título de exemplo, muitos portugueses terão visto a prestação medíocre do sindicalista Paulo Sucena, sem argumentos no confronto directo com a ministra da Educação, na televisão, e que depois de não saber explicar porque é que recusavam as aulas de substituição, dizia que era preciso criar “uma alma nova” para os professores. Vendo na televisão este Paulo Sucena ou o Sr. Bettencourt Picanço ficamos a perceber o motivo do recuo do movimento sindical em toda a Europa. Eu até gostaria de saber, como se calhar muitos portugueses, qual é o horário de trabalho destes senhores e o que fazem no dia a dia, para tentar perceber porque fazem falta centenas de sindicalistas nalguns sindicatos, que afinal são pagos por todos nós. Será que não haverá um limite de mandatos para estes sindicalistas, como há para outros cargos públicos? Talvez fizesse bem a algumas pessoas voltar a trabalhar, como nós temos de fazer todos os dias. E para evitar mal entendidos com os pseudo-intelectuais habitualmente de serviço, devo dizer que tive na escola, no liceu e na universidade excelentes professores, responsáveis pela formação de uma geração a que pertenço com orgulho, que não dá erros ortográficos, com hábitos de leitura e preocupações culturais que vão de Eça de Queiroz e Fernando Pessoa à poesia de Eugénio de Andrade e aos “Contos da Montanha” de Miguel Torga.
Hoje falamos com jovens de 17 anos, que não sabem se a Argentina é um país ou um jogador de futebol. E milhentos exemplos que vemos todos os dias, que demonstram claramente que a qualidade de ensino não resistiu às múltiplas e medíocres revisões pedagógicas da autoria daqueles que baixaram o nível de ensino dos alunos e que tanto falam na subida de nível dos professores. Era bom que todos soubéssemos preto no branco, para percebermos o que se passa na escola dos nossos filhos, e para salvaguarda de todos os professores que continuam a prestigiar a sua profissão, como é que se sobe de nível ou escalão e porque motivo todos têm de atingir o patamar da carreira, ao contrário de todas as outras profissões, onde nem todos os militares chegam a Generais, ou os médicos a Chefes de Serviço, entre vários exemplos.
De pouco valem as megalomanias estéreis que a nada conduzem. Já ganhámos os Jogos sem Fronteiras, temos o Benfica no<i> Guiness</i> com 160 000 sócios e vamos ter a maior árvore de Natal da Europa em Lisboa. Continuamos no Portugal dos Pequeninos.
Naturalmente que para muitos portugueses que estão no desemprego, para os recém-licenciados que não encontram emprego depois de tantos anos de estudo e sacrifícios, ou para aqueles que são despedidos pelo encerramento de empresas, é difícil perceber que seja de facto a defesa de regalias corporativas o principal motivo das últimas greves. Como já aconteceu em 1975, no chamado período revolucionário, que de revolucionário teve muito pouco, tentam alguns na rua, ainda que sejam uns milhares, sobrepor-se a outros que são muitos mais e que se manifestam de outra maneira nos actos eleitorais.
É bom que alguns percebam o motivo porque José Sócrates continua a ter maioria absoluta nas sondagens, apesar de todas as medidas restritivas já tomadas. Felizmente nas sondagens e nas eleições participam amostragens aleatórias ou votamos todos. Essa é a pequena diferença.
Portugal só vai deixar a última carruagem do comboio da Europa quando de facto trabalharmos mais e melhor. Quando falarmos menos e melhor. Lutando pelo direito ao trabalho e mantendo o direito à greve. Mas que de greve em greve e de regalia em regalia não percamos de facto o direito ao trabalho.

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