Em entrevista ao “CA” o secretário de Estado das Autarquias Locais avalia a forma como os municípios estão a responder ao processo de descentralização de competências do Estado nas câmaras municipais, juntas de freguesia e comunidades intermunicipais. “Estamos a dar agora um passo que é enorme", reconhece Carlos Miguel.
Pode dizer-se que a descentralização de competências do Estado para as autarquias locais é mesmo um processo sem retorno?
É óbvio que é para ser levado até ao fim, até porque é uma necessidade nacional, no sentido de tornar a administração pública mais ágil e mais próxima das pessoas. E sendo mais próxima das pessoas, será mais escrutinada pelos utentes! Por isso é um processo que não só é para levar até ao fim naquilo que é o pacote que neste momento está em discussão e afinação, mas para ser levado até ao fim no sentido em que atrás deste hão-de vir muitas mais competências que devem ser descentralizadas para a administração local, de forma a que elas sejam mais eficientes do que são hoje, [por serem] geridas centralmente. E por isso é um processo sem pressas, mas um processo gradualista, em que cada município vai encontrar o tempo certo para as suas pessoas e o seu território. Mas é para se fazer.
Compreende, portanto, que haja muitos municípios a protelar a aceitação das novas competências para 2021?
Acho que é coisa mais natural! Aliás, se não tivéssemos a noção dessa necessidade não se teria previsto na própria lei que houvesse um período de três anos para as pessoas se adaptarem. Sabemos que cada um tem o seu ritmo, cada um tem a sua realidade e por isso há municípios que entendem que ao dia de hoje já podem exercer tudo ou uma parte. E há outros que entendem que ainda precisam de se adaptar para exercer esse mesmo tudo ou parte. E vão encontrá-lo! Parafraseando alguém do futebol, o importante não é como se começa mas sim como se acaba. E o que se pretende é que cheguemos a 2021 com um país mais uniforme, mas essencialmente com um país mais eficiente naquilo que é o serviço público às populações.
Em que áreas estão a sentir mais dificuldade, ou seja, maior “resistência” por parte dos municípios em aceitar novas competências?
Se olharmos para os números e para aqueles que têm logo adesão no primeiro ano, se calhar a área que curiosamente tem menos adesões imediatas é a área da saúde animal e dos alimentos, vulgo dos veterinários municipais. E no fundo não é nada de novo, não é nada que o município e/ou o veterinário municipal não faça. Mas é normal que sendo uma área em que é preciso adaptar regulamentos, criar taxas, criar uma carga administrativa em que as câmaras e as assembleias municipais têm de se pronunciar, haja muitos municípios que esperam por o fazer e só arrancarão já com esses instrumentos aprovados. Agora cada município tem o seu caminho a fazer e mesmo em áreas que acho que não têm dificuldade nenhuma temos municípios que ainda não aceitaram o exercício da competência… Por isso, é uma análise que deve ser feita individualmente.
Não se deve generalizar…
Cada caso é um caso! Um dos diplomas que é muito inovador é o dos municípios adquirirem a capacidade para gerirem património do Estado que está devoluto há mais de três anos. E para o gerirem de forma gratuita. Se o município tem um património da administração central que está ali assim sem utilização nenhuma, pode passá-lo a gerir e ali pôr um serviço da Câmara ou da Junta de Freguesia, emprestá-lo a uma associação do concelho… É uma coisa que não tem encargos, só tem vantagens, e mesmo assim há municípios que não aceitaram a competência já. Por isso, esta é uma questão de percurso, havendo uma certeza: se não for em 2019, será em 2020. E se não for em 2020, em 2021 todos estarão a exercer as competências. Porque as competências já são dos municípios – aquilo que eles optam é se as exercem hoje, se as exercem amanhã ou se as deixam para depois de amanhã.
Na questão do envelope financeiro associado a cada uma das competências a descentralizar, há muitos autarcas a considerar que ou é escasso ou é desconhecido. Reconhece legitimidade a estas críticas?
É óbvio que é sempre legítimo, até porque há um histórico que não é muito abonador da administração central. Ou seja, no passado, em tudo o que foi descentralização de competências nos municípios, o envelope financeiro acabou por se revelar insuficiente. Sendo certo também que essa insuficiência não é tanto por escassez de meios, mas sim por ter muito que ver com o facto de os municípios quererem fazer melhor que a administração central fazia e, para isso, gastam mais recursos que aquilo que a administração central gastava. Agora, neste caso concreto, esta discussão dos meios é muito localizada naquelas que são as competências na Educação e na Saúde. E aí o envelope financeiro já foi comunicado aos municípios e estes, na Saúde, já se pronunciaram – o Governo está agora a analisar essas pronúncias dos municípios. Na Educação o prazo está agora a expirar e o Governo vai dar resposta. E a partir daí, com a certeza desses envelopes, os municípios terão condições para decidirem se exercem já ou se exercem ‘daqui a bocadinho’.
Educação e Saúde são áreas que dizem muito às populações. Há espaço, neste processo de descentralização, para alargar as competências a passar para as autarquias? Por exemplo, a participação dos municípios na gestão dos agrupamentos de escolas ou dos centros de saúde?
Um passo de cada vez! Estamos a dar agora um passo que é enorme. É bom que se diga que Portugal nunca teve uma reforma a este nível. Pela experiência autárquica que tenho, desde a primeira Lei das Finanças Locais que nunca houve um sobressalto tão grande nas autarquias como o que está a haver agora. São 22 diplomas transversais a todas as áreas e para todo o país, para todos os municípios. Mas como já tenho dito, este é um processo evolutivo. Quando nós exercermos bem estas [competências], outras se sucederão. E devemos já começar a trabalhar nelas. Mesmo ao nível da Educação, a área onde os municípios têm mais experiência e há uma maior proximidade com o território e com as pessoas, há muito para fazer de melhor se os municípios participarem mais. E os municípios estão ávidos de participar! Por isso digo que é perfeitamente legítima [a reivindicação dos municípios]. Quando o município é o responsável pela higienização dos espaços, pela gestão dos bares, pelo telhado e pelas janelas, pelo plinto e pelo laboratório, é normal que tenha de estar alguém do município no conselho directivo do agrupamento, por forma a que haja ali um interlocutor directo. Até para que sempre que haja uma necessidade não se tenha de estar a ligar para o presidente [da Câmara] ou para o vereador. Acho que é uma pretensão perfeitamente natural e é algo que devemos evoluir para isso. Mas o caminho faz-se caminhando e se gente se puser ao caminho vamos encontrar as curvas, as rectas e os cruzamentos, mas também as soluções para elas e as adaptações ao sistema. É por aí que se caminha… Mas se se vai experimentar já, sem experimentar estas, se calhar é cedo. Mas no futuro lá chegaremos, tenho essa convicção.
Esteve reunido com os autarcas do Baixo Alentejo para debater esta matéria na passada semana. Está satisfeito com os níveis de aceitação de competências já em 2019 na região?
Para um governante que está tão envolvido nisto como eu estou, a minha equipa, o ministério e o senhor ministro, ficaríamos todos super-felizes se os 278 municípios do continente aderissem a todas as competências em 2019. Mas sabemos que não é assim! Temos a perfeita consciência que, para além das realidades de cada um, o autarca tem muito em conta os interesses do seu território e gosta muito de experimentar e de ver… E se vir que o vizinho já aceitou e está a dar-se bem, porque não há-de avançar? Por isso há autarcas que acham que têm condições para avançar já – e há em todos os lados do quadrante político-partidário – e há outros que preferem esperar um bocadinho para ver como é. E há outros – que são a grande maioria – que vêm que há áreas em que podem avançar já que não há problemas, antes pelo contrário, mas que há outras em que sentem que é melhor se prepararem primeiro. Por isso estou convencido que para 2020 – e os municípios têm de se pronunciar até Junho deste ano – vamos ter muitíssimos municípios a exercerem já estas competências.