Vamos falar do que nos dói?

Quinta-feira, 9 Junho, 2022

Margarida Duarte Patriarca

Quando o aeroporto de Beja foi construído, um sentimento de alegria extrema invadiu as nossas vidas e os nossos corações: ali estava mais um motor que fazia falta ao Baixo Alentejo e particularmente a Beja, para descolar da interioridade e calmaria que nos caracteriza enquanto território e povo.

A olhos vistos e de forma simplista, desde então muitos dirão que pouco ou nada aconteceu. Algumas reportagens dos media apelidam o investimento de “elefante branco”, alguns movimentos surgiram a exigir o que merecemos e algumas empresas instalaram-se efetivamente, criando postos de trabalho qualificados e algum dinamismo à região.

Mas o que nós queríamos mesmo era poder apanhar o avião. Escolher se iamos para Londres ou Genebra e receber turistas que venham, com vagar, conhecer a nossa região, os nossos costumes e as nossas gentes. A calma com que a vida se desenvolve e acontece é um dos nossos melhores cartões de visita, único no País, instagramável e até fonte de alguma inveja por parte dos que cá não moram.

A 5000km de distância existe uma realidade que tem características parecidas à nossa: interioridade, 100km de distância da capital do país, 20 000 habitantes e um aeroporto doméstico. Akureyni, na Islândia e a realidade de Beja, foram mote de um belíssimo artigo de opinião de Pedro Castro no “Transportes e Negócios” que importa dar eco. Diretor da SkyExpert Consulting e docente de Gestão Turística no ISCE, Pedro Castro sabe o que escreve e mexe, de forma inteligente, na nossa maior ferida que passados tantos anos continua a doer. Neste artigo diz- nos que durante a pandemia o governo Islandês investiu 20M€ para expandir o aeroporto de Akureyni para receber voos internacionais e assim dinamizar essa parte da ilha e o turismo, descentralizando-o totalmente da capital, numa lógica de “descentralizar e redistribuir a riqueza do turismo por diferentes partes do País”.

A pergunta é inevitável: e por cá? O que tem sido feito pela tão aclamada coesão territorial desde 2011? Que posições têm tomado e o que têm feito efectivamente, autarcas, deputados eleitos e entidades regionais?

Numa altura em que já se percebeu que não é com cartas, requerimentos na Assembleia da República e cante no Parlamento Europeu que conseguimos algo de útil para nós próprios, temos direito de pedir contas e exigir que se faça coesão territorial?

A concessão da ANA à francesa DaVinci deixou-nos reféns das tomadas de decisão, mas a meio caminho entre Lisboa e o Algarve, a um passo de Sevilha e com uma linha de comboio rápido a ligar Sines a Évora e à fronteira em 2024, que pode esperar Beja, para além dos sempre impecáveis planos e estudos que tardam a sair do papel e que teimam em não permitir imprimir talões de embarque?

Há uns meses atrás, o Ministro Pedro Nuno Santos e a Ministra Ana Abrunhosa reforçaram (e bem) a importância que a linha ferroviária tem para a zona do Douro interior.

O que temos de nos questionar é se ninguém tem o contacto de ambos, para os convidar a vir a Beja marcar igual posição política pois a coesão (se é territorial) não pode deixar de incluir o Baixo Alentejo.

Porque é que a ferrovia não tem igual desígnio no Baixo Alentejo? Onde falhamos nós para não ter já no terreno as obras de instalação de catenárias para via elétrica que os governantes e deputados regionais algarvios conseguiram garantir há uns anos atrás e que agora estão no terreno?

O que falta ao Baixo Alentejo e a Beja em particular, para ser a Akureyni do governo português?

 

Falta vontade política.

As condições são perfeitas: governo maioritário PS na Assembleia da República, a mesma cor na maioria das Câmaras Municipais do Baixo Alentejo e o extra de a própria capital de distrito também o ser, e bem, governada

pelo PS. Estas condições devem conjugar-se com a vontade já comprovada de apostar na mobilidade por parte do ministro que tutela a pasta.

Tendo em conta que actualmente todos pagamos uma “recuperação da TAP”, que contrapartidas esse esforço trás ao contribuinte do distrito de Beja, que paga essa recuperação em igual medida do contribuinte de Lisboa ou de Montijo?

Graças à decisão tomada pelo governo islandês, irá nascer em Akureyri a próxima companhia aérea operada por uma empresa portuguesa (a HiFly) que se chamará NiceAir e irá operar para toda a Europa. Essa empresa irá beneficiar de uma campanha de subsídios e descontos pensados para o desenvolvimento aeronáutico. O governo islandês acredita que assim irá conseguir uma verdadeira coesão territorial, associada à mais recente moda (que a pandemia nos ensinou) de descobrir novos destinos fora dos habituais e caóticos roteiros turísticos existentes. Excelente, digo eu.

Nós próprios já fazemos isto em Portugal e a ilha da Madeira é um exemplo actual para o qual devemos olhar.

A imprensa deu conta em final de Novembro passado que o Turismo de Portugal celebrou um contrato no valor de 3 milhões de euros com a Ryanair para a empresa criar uma base no Funchal, com 8 a 10 rotas e 350 mil lugares nos voos para a região. Adicionalmente o Turismo de Portugal investirá 755 mil euros para financiar uma campanha de marketing da região entre 2023 e 2026.

A pergunta que faço é: o Turismo de Portugal também abrange Beja e o Baixo Alentejo? Que pressão, que exigências, que respostas deste tipo podem procurar (ou têm procurado) autarcas, políticos e comunidades regionais para que a coesão com Beja, seja tão justa quanto a coesão praticada pelo Turismo de Portugal para com a Madeira?

Temos de nos habituar a fazer perguntas, mas também temos de procurar respostas. Como se vê, está tudo inventado.

Importa cada vez mais um País verdadeiramente coeso e equilibrado e esse deveria ser um desígnio de todos. Se assim fosse, deixaria de imediato de haver 1 cêntimo de investimento num eventual aeroporto em Montijo, com soluções ambientalmente duvidosas e regras alteradas à medida a nível autárquico, passando a existir um sério investimento numa ligação ferroviária digna no Baixo Alentejo, que potenciasse o investimento de 33M€ já feito no aeroporto de Beja.

Os naturais e residentes no Baixo Alentejo precisam que haja efetiva vontade política para que António Costa, Pedro Nuno Santos ou mesmo Ana Abrunhosa venham a Beja dizer ipsis verbis o que se disse em Dezembro passado em Lamego: “Vamos fazer a linha do Douro. É um desígnio deste território. Mal andariam os governos que não apoiassem o projeto”. Bastaria que substituíssem “Douro” por “Alentejo, até Beja”.

Enquanto o Baixo Alentejo ocupar apenas três lugares na Assembleia da República, diz a história de Alqueva que são necessários muitos anos para que algo aconteça.

Até lá, podemos sempre criar um novo prato “que a região poderá sarcasticamente oferecer aos governantes e decisores” como escreve Pedro Castro, inspirado na culinária alentejana: “Pérolas aos porcos desperdiçadas com decisões erradas a murro”.

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