Sensibilidades

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Rui Sousa Santos

médico

Em Beja também se passam coisas boas. Não sei se é disso a que se convencionou chamar-se espírito natalício, mas a verdade é que hoje não me apetece gastar o espaço de escrita (cerca de 4.000 caracteres, incluindo espaços, que o António José Brito tão simpaticamente me disponibiliza de três em três semanas para escrever sobre o que muito bem entenda, nunca se esquecendo ele de enviar um sms a lembrar que o texto tem de estar na redacção até ao meio-dia de terça-feira), a perorar sobre o que de mau ou menos bom se (não) passa na nossa cidade. Há coisas boas em Beja e hoje gostaria de vos falar de duas.
Conheci o Pedro Vasconcelos nos idos de 1974, estávamos nós no primeiro ano do nosso curso e integrámos o mesmo e tão polifacetado grupo de colegas, que ficariam amigos para a vida. Já na altura o Pedro tinha actividade musical digna de registo, julgo que no Orfeão da Madalena e no Coro do Círculo Portuense de Ópera, e lembro-me bem dos espectáculos de ópera no Teatro Rivoli a que assisti graças aos convites que o Pedro desencantava para a malta amiga. Tenho bem presente na memória uma “Madame Butterfly” a que assisti a partir da coxia do primeiro balcão, pois a verdade é que o teatro estava completamente cheio e nem a recordação de um rabo semi-anestesiado pela incomodidade do assento me fez olvidar um espectáculo que, na altura, considerei magnífico e que contribuiu significativamente para o interesse que, hoje, a ópera me desperta.
Alguns anos e algumas óperas depois chegámos a Beja, em início de carreira profissional. Julgo que foi em 1982, durante o nosso Serviço Médico à Periferia, que, em conjunto com o Zé Manel Martins, que por cá fazia o internato geral, nos abalançámos, com o apoio da delegação de Beja do INATEL, a organizar a I Semana Cultural de Beja. Com concertos, exposições, cinema português, conferências (lembro-me, concretamente, de termos trazido o Manuel Alegre para falar de poesia e da sua poesia, num sábado à tarde num salão do INATEL, e o António Victorino d’Almeida, que falou na noite de um dia cuja tarde o Zé Manel e eu gastámos à procura dele em Évora, onde combináramos que o iríamos buscar, quando o maestro havia decidido, de <i>motu </i>próprio, meter-se num táxi e pôr-se a caminho de Beja…), foi algo que nos deu bastante gozo fazer e que, infelizmente, não voltou a ter oportunidade de se repetir. Mas tudo isto para dizer que já nessa altura o Pedro Vasconcelos falava em criar um coro de câmara em Beja e penso que o Coro de Câmara de Beja tomou forma muito pouco tempo depois.
Hoje, 25 anos depois, o Coro de Câmara de Beja (CCB) é uma instituição da cidade. Como tal reconhecida por muitos, incluindo nestes muitos alguns para os quais este reconhecimento constitui uma obrigação e um imperativo. Pelo menos os necessários para que o CCB tenha organizado (obrigado, Pedro, pela tua vontade e pela tua persistência) a 22ª Semana de Música para o Natal. A edição de 2007 terminou no sábado, 15 de Dezembro, com um concerto no Teatro Municipal PaxJulia, no qual participaram também, para além do CCB, a Orquestra de Câmara Lusitânia, a soprano Isabel Moreira e o tenor João Azevedo. Memorável, como muitos dos concertos de anteriores semanas de música. Mas o CCB fez mais do que isso. Passo a contar: estava prevista a actuação do Coro na Festa de Natal que, todos os anos, se realiza no Hospital José Joaquim Fernandes. Este ano, porque a RTP transmitiu a partir do nosso hospital parte do espectáculo do Natal dos Hospitais, o alinhamento previsto sofreu grandes alterações, obrigando que muitos daqueles que tradicionalmente colaboram nessa festa não pudessem actuar. Propusemos, depois de pensarmos um pouco, ao CCB uma alternativa: porque não cantarem para doentes, visitas e profissionais numa tarde de domingo, nos diferentes pisos do hospital? E, leitores, foi bonito de se ver todos os coralistas e o seu maestro a prescindirem do descanso de uma tarde de domingo, no dia seguinte a um concerto de responsabilidade que deve ter queimado muita adrenalina a todos e a cada um, para, naquilo que considero uma dádiva de solidariedade, cantarem, entre outros temas, o “Adeste Fidelis” ou o “Wish You A Merry Xmas” para deleite de cada um que tinha a oportunidade de os ouvir no átrio de cada um dos pisos ou no átrio principal do hospital. Foi bonito, garanto-vos.
Uma outra coisa boa se passou em Beja. Acho que alguém que escreve memórias ou está de muito mal com outros ou de muito bem consigo. O dr. Jorge Rabaça, meu distinto colega de profissão e, durante mais de 20 anos da minha presença em Beja, director do Serviço de Obstetrícia do Hospital José Joaquim Fernandes, não pertence seguramente ao primeiro grupo dos autores de memórias. Foi com muita satisfação, porque sei que concretizou um sonho de muitos anos, que assisti ao lançamento das <b><i>Crónicas de Um Antigo Estudante de Coimbra</i></b>. Sei, de há muitos anos, que por de trás de um aparente distanciamento que alguma timidez provoca está uma pessoa de afectos, de apurado sentido estético e de muito sentido de humor. Obrigado por tudo,dr. Rabaça.

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