Alguns têm zurzido o Tribunal Constitucional (TC) por declarar a inconstitucionalidade de medidas do Governo, que não respeitam a Constituição da República Portuguesa (CRP), quando, face à crise e à vigência do programa de assistência, o TC devia ler a CRP menos ortodoxamente.
Vejamos o que tem acontecido:
1. Foram impostos cortes nos vencimentos públicos, já reiterados em mais de um Orçamento do Estado, mas o TC, invocando os “compromissos com instâncias europeias e internacionais” e as excepcionais necessidades financeiras do Estado, deixou passar a medida (ver Acórdão 187/2013).
2. No Orçamento do Estado 2012, o TC julgou inconstitucionais as normas de corte dos 13º e 14º mês, mas, usando uma disposição excepcional, ineditamente, permitiu que as mesmas se continuassem a aplicar, atendendo à necessidade de “no actual contexto de grave emergência, continuar a ter acesso a este financiamento externo” do programa de assistência da “troika” (Acórdão 353/2012).
3. O tributo criado no Orçamento do Estado 2013, a que chamaram Contribuição Extraordinária de Solidariedade, sobre os pensionistas, era geralmente tido por inconstitucional, mas o TC atendendo à “situação de excepção”, permitiu que o Governo arrecadasse mais essa receita arrancada aos seus legítimos donos (Acórdão 187/2013).
4. De igual modo foi admitida a passar no crivo de constitucionalidade a taxa adicional de solidariedade e a sobretaxa adicional sobre o IRS, já que é “destinada a dar resposta a necessidades de finanças públicas extraordinárias”(Acórdão 187/2013).
5. No Código do Trabalho, o TC detectou que a suspensão, durante dois anos, de normas de contratos colectivos, relativas ao pagamento de trabalho suplementar ou prestado em dias de descanso, não estava conforme à CRP, mas deixou passar, atendendo ao “cumprimento das metas e compromissos assumidos internacionalmente no quadro do Memorando de Entendimento e a própria competitividade da economia nacional numa conjuntura particularmente difícil” (Acórdão 602/2013).
Ora, basta apenas conhecer alguns exemplos, como estes, para chegar à conclusão verdadeira: afinal o TC tem aplicado a CRP atendendo à conjuntura!
Mas, simultaneamente, ocorre uma campanha capciosa visando desleixar o Estado de Direito, e, essa sim, ataca o regular funcionamento das nossas instituições democráticas e a capacidade de Portugal sair da crise com dignidade.
Apenas para camuflar o falhanço da acção governativa.