No reino da Floribella

Vítor Encarnação

Afinal, neste fantástico e pegajoso reino da Floribella ainda há assomos de esperança.
Afinal, vejo-o eu em lampejos, ainda nem tudo está perdido para lá dos portões de uma escola. Não há só meninas e meninos mal comportados, escrevendo nas paredes, mastigando pastilhas elásticas e dizendo palavrões. Não há só professores e professoras que não dão conta desses meninos e meninas, só pensam em ir para casa à quinta-feira depois de almoço e não ensinam nada que se veja e que se note. Não há só pais e encarregados de educação que apenas lá vão buscar as notas e meter um recurso no final do ano. Não há só auxiliares de acção educativa que pouca acção têm.
Para lá dos portões de uma escola também há, acreditem que há, alunos e professores e pais e auxiliares que fazem da escola um espaço de formação, educação e aprendizagem. Um espaço que muitas vezes substitui a família nas coisas que em primeira instância deviam pertencer à família: compreensão, descoberta, partilha e segurança. Entre livros, programas, testes e horários cheios, há actividades que não vêm nas pautas finais dos períodos e não contam para as estatísticas, mas são demasiado importantes para que delas não se fale. Não podem ser fogo-de-artifício ou estrelas cadentes num céu carregado de papéis, relatórios, actas e reuniões. Deixar cair estes acontecimentos no esquecimento e na indiferença é dar razão aos que olham para a educação e nela só vêem defeitos e pior do que isso, na sua superior sabedoria que vai desde motores de carros à filosofia, têm solução para tudo, principalmente para a resolução das políticas educativas, para a incapacidade dos professores, para o desleixo dos auxiliares, para a cumplicidade dos pais que se interessam e para a gestão de uma sala de aula composta por trinta almas diferentes. Para eles, esses trinta e um de boca, basta juntar água e já está.
Para que conste e para memória futura, no Agrupamento Vertical de Ourique, neste caso concreto na E B 2, 3 S de Ourique, há professores que põem alunos a pensar e principalmente, mais importante do que tudo, há alunos que se põem a pensar. E um destes dias, integrados no Projecto Parlamento dos Jovens, esses professores e esses alunos e alguns pais, com a prestimosa participação do deputado parlamentar José Soeiro, puseram-se a pensar no insucesso e no abandono escolar, quais as suas causas e quais as possíveis soluções.
As professoras de Filosofia propuseram e os alunos do Secundário frente a frente, olhos nos olhos, interessaram-se pela participação cívica e política; sublinharam a importância da sua contribuição para a resolução de questões que afectam o seu presente e o futuro individual e colectivo; conheceram o significado do mandato parlamentar de decisão da Assembleia da República enquanto órgão representativo de todos os cidadãos portugueses; argumentaram na defesa das ideias, com respeito pelos valores da tolerância e da formação da vontade da maioria. Sem truques, sem laivos de pretensiosismo. Apenas jovens, morando ainda no casulo da adolescência, a quererem sair para perceber o mundo que os rodeia e a não aceitarem que o mundo os coma por parvos.
No dia seguinte exerceu-se a democracia e foram eleitos os deputados desta escola que irão levar as suas opiniões às sessões regionais e, se forem bons parlamentares, às sessões nacionais. Sempre em crescendo, sem medo de papões e profetas da desgraça.
Você que é pai e que é mãe, acredite que na escola, para além das notas e dos registos biográficos e das médias, há uma parte invisível que fica e que é o alicerce e a trave mestra do que há-de vir.
Os obreiros do futuro são os jovens e mal de nós, de nós todos, se não acreditarmos neles.

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