Nas esquinas da vida

Sexta-feira, 28 Maio, 2021

Vitor Encarnação

Escritor

Numa vida ficam tantas coisas por fazer. E não se fizeram porque muitas vezes o destino é uma camisa de forças, um arrependimento, um falhanço, um coro de suspiros, uma bolsa de lágrimas, por não termos virado para o lado contrário, por não termos escolhido o que tivemos à nossa frente e desdenhámos, por termos aceitado a segurança da rotina e não termos escolhido o confronto com o vento maior.
Ficamos, quase sempre, quase todos, por natureza, por cultura, por genética, sentados num baloiço, baloiçando, para cá e para lá, à espera que o inverno e o frio se desmanchem e chegue o bom tempo e nasçam os trevos de quatro folhas.
Ficamos à espera, pacientes, alinhados, formatados. Mas é preciso dizer que por vezes esperar não é uma virtude, esperar é uma fraqueza de espírito, esperar é uma osga parada, é de vez em quando comer um mosquito, esperar é uma cana de pesca, esperar é ocasionalmente apanhar um peixe, esperar é uma fila que nunca mais acaba, uma carta que não chega, um beijo adiado, o sono que não chega, tanta coisa que nos falta e tanto tempo que já não temos. Esperar pode ser já não haver lugar para nós.
Cada escolha que fazemos é uma parcela imprecisa, uma conta de somar incerta que acrescentamos ao nosso mundo, porque cada escolha é condicionada pelo peso do nosso passado, pela incompreensão do presente e pela insegurança relativamente ao futuro.
Cada sim que dizemos é uma parecença de felicidade, cada esperança que temos é um rasgão no tecido da tristeza, cada opção que tomamos é uma luz acesa na penumbra do nosso pensamento.
Sabemos que houve tanta vez em que em vez de dizermos que sim devíamos ter dito que não. Mas dizer que não requer mais coragem, requer assumir um maior risco, requer mais liberdade.
Principalmente quando, no nosso processo de crescimento contínuo, damos por nós nas esquinas da vida, nesses lugares de onde partem caminhos diferentes, nesses sítios onde somos desafiados a decidir.
Cada escolha que fazemos anula todas as outras possíveis, cada escolha mata o seu oposto, o seu antónimo, a sua alternativa. E é por isso que de cada vez que voltamos as costas a determinadas coisas, a determinadas pessoas, a determinadas oportunidades, sabemos que dentro de nós ficará uma cicatriz de alto a baixo, um vergão no lado esquerdo do peito, uma moinha dentro da cabeça.
Todos nós já sentimos que apesar de estarmos contentes com as escolhas que fizemos, muitas vezes temos dúvidas. E quando a nossa ideia não consegue largar o que pusemos de parte, sentimos que a nossa consciência não consegue descansar.
E depois, inevitavelmente, há um dia em que temos de nos atrever a fazer as contas, avaliarmos o resultado, abeirarmo-nos das consequências.
Quando a memória nos apertar muito, quando a memória se espalhar pelo corpo todo, temos de a lancetar, temos de a abrir e de a limpar muito bem para deixar de doer.
É no entardecer da vida que mais se nota que uma existência não está completa.
Infelizmente, nenhuma pessoa tem o raciocínio de um rio, as pessoas querem sempre voltar atrás. Para tocar as margens que não escolheram da primeira vez, recuperarem a força que não tiveram, escolherem outro rumo, encharcarem-se das flores do caminho, embriagarem-se de superfície e de fundura.
As pessoas são rios parvos. A própria água, a própria essência, a própria corrente, só as atrapalha.
Parámos, esperámos em cada esquina à espera de um sinal qualquer que nos indicasse a vereda certa, que nos mostrasse um bocadinho de chão firme. Ficámos ali, parados numa curva do tempo, numa curva do rio. À espera de pão para a boca, à espera de ideias, à espera de decisões, de uma mão no ombro, de um abraço, de uma voz timoneira.
Mas que desgraça! No cruzamento das hipóteses, ninguém nos disse:
“Venham, é este o caminho das pessoas felizes”.
Numa vida fazemos o possível, numa vida escolhemos o que podemos.
Mas então que nó tão grande é este que trazemos no estômago?

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