Memórias de uma noite de verão

José F. Encarnação

Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Almodôvar e Graça dos Padrões

Verão de 1978… ou 77, ou 79… para o caso não é muito importante… O local é Val d’Oca, bairro mineiro em Aljustrel. Por volta das 9 da noite (sim porque nessa época ainda não dizíamos 21h), à esquina do meu bairro juntavam-se uma série de miúdos, dos oito aos 15, 16 anos. O dia tinha sido quente, daqueles em que até respirar nos fazia transpirar… nada que uma ida à represa da mina não resolvesse! Claro que para uns não havia problemas, mas para muitos o pior era chegar a casa com os calções ainda molhados e tentar explicar à mãe o inexplicável, que não, não tinha ido para a represa, que tinha sido no tanque… nada que uns bons açoites e a promessa nunca cumprida de não voltar à represa sem a sua companhia não resolvesse.
Primeira paragem: a porta do ti António Zé Galope. Um contador de histórias que nos conseguia transportar para aqueles locais maravilhosos que só ele conseguia transmitir, que nos levava a acreditar piamente que os índios eram mesmo os maus e que os cowboys nunca morriam. Uns, sentados no lancil (o que agora pomposamente se chama passeio), outros deitados nesse mesmo local, os mais velhos encostados à parede, outros ainda deambulando para cima e para baixo, antevendo o que viria depois, mas todos, sem excepção, presos à narrativa maravilhosa daquele homem que, qual Sherazade, nos entretia noite após noite.
Após mais uma das intermináveis histórias, era tempo de nos juntarmos todos na esquina e passar à fase seguinte, ou seja, começar a fazer as equipas para jogarmos “à Rolha”. Para quem não sabe, passo a explicar. A “Rolha” mais não era que um jogo entre duas equipas em que uma se escondia e a outra tentava encontrar a primeira. Claro que existiam regras! Definia-se a área de jogo, que no caso era “apenas” a zona que ia dos Bairros Novos, ou Bairros dos Ricos, até ao campo da bola, o velhinho Campo das Minas. Incluindo, claro, toda a zona do Monte da Sra. Benvinda, a “canha” que ligava os bairros à mina e até ao campinho da Chaminé.
Começava-se por escolher o capitão de cada equipa, por norma um dos mais velhos, para depois esses escolherem os seus apaniguados. Para além dos laços familiares, era tido muito em conta o local de residência, ou seja, o bairro em que morava. Tarefa nem sempre fácil, que muitas discussões originava e que levava logo às primeiras desistências. Claro que quem desistia não dizia que o fazia porque a mãe lhe tinha dito para estar mais cedo em casa!
Depois desta hercúlea tarefa, era altura de iniciar o jogo. Davam-se 15 minutos para que a equipa a esconder o fizesse. O tempo começava a contar a partir do momento em que um de nós gritava ROOLHAAA! Depois era ver cada um dos elementos da equipa adversária começar na correria a tentar descobrir os escondidos. Tarefa complicada! Para quem não conhece, basta dizer que a área de jogo equivalia mais ou menos, sem exageros a cinco ou seis campos de futebol, com todos os obstáculos, quer naturais quer de construção, que Val D’Oca sempre apresentou!
Agora que falo nisto lembro-me tão bem de alguns bons amigos que já não estão conosco… O Zé Manel Lourinho, o Zé Manel “Saramenho”… E de outros que, felizmente, ainda revejo, o Zé Benedito, o Betinho “Saramenho”, o Betinho “Caracol”, etc…
Escusado será dizer que o jogo nunca acabava! Os que se escondiam, se não fossem encontrados, aborreciam-se e ou iam para casa ou voltavam ao local de partida. Os que procuravam, depois de muitas voltas e correrias, chegavam àquele ponto em que começavam a “tocar os telemóveis”, ou seja, começávamos a ouvir ao longe aquelas vozes transportadas pela brisa cálida da noite, vindas não se sabe bem de onde, que nos impunham mais respeito que qualquer patrulha da GNR, pois dessa nós podíamos esconder-nos em qualquer dos muitos recantos que só nós conhecíamos, mas daquelas vozes finas e esganiçadas, bem, dessas não havia volta a dar! Quando as nossas mães ligavam o “gramofone” e nos chamavam de uma forma que só elas conseguiam, já sabíamos que era a hora do regresso. Mas mesmo sem nada combinado, todos sabíamos que na noite seguinte, depois de mais uma ida escondida à represa para refrescar o corpo quente das futeboladas e da canícula do Verão, voltaríamos à esquina do vizinho Rogério para mais uma noite empolgante! Sem smartphones, sem tablets, apenas com a energia que os nossos verdes anos nos davam e sempre em nome da amizade pura e sincera que nos unia. Belos tempos, os da nossa infância…

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