Como a idade de senador já mo permite, vou ao longo deste ano – e até abril de 2024 – rebobinar a fita do tempo e recordar episódios da vida em ditadura que, por esta altura, já nos distancia no tempo a redonda soma de 50 anos.
Alguns destes episódios foram vividos na primeira pessoa, outros, fruto de relato de terceiros ou de assistência dos mesmos. O caso presente vivi-o intensamente, não só por ter dado corda aos sapatos para fugir aos cassetetes dos esbirros policiais, como ainda descobri nesse dia o que queria dizer a palavra FASCISTA.
Ao tempo, tinha 17 anos e começavam a despertar em mim uma série de questões, para as quais não tinha resposta.
Começava a angustiar-me a ideia de ter de ir para a guerra dali a uns três anos.
Sabia-se que muitos dos que para lá partiam, regressavam na horizontal entre choros e gritos de mães e noivas destroçadas agarradas a caixões silenciosos e cobertos com bandeiras carregadas de heroicidade caduca.
Por agora, regressemos a Lisboa e a 1973, mais propriamente à noite de 19 de janeiro na Praça Duque de Saldanha, em frente ao Teatro Monumental.
Tinha um amigo chamado Jorge, de alcunha o “Pastelinho” com quem esgrimia gostos musicais. Os meus, mais fora da caixa (ainda hoje são!), os dele mais vulgares e popularuchos.
Numa dessas altercações que só nos fazem crescer, combinámos ir a dois espetáculos diferentes (na altura não se chamavam concertos!). Um à sua escolha e outro da minha vontade.
Ele a querer-me mobilizar para o lado brega da música levou-me a assistir a uma apresentação de Nelson Ned no Teatro Capitólio. Eu, em contrapartida, a exigir a sua presença no espetáculo com que o queria “educar” à minha maneira.
A escolha que me tocou recaiu sobre uma apresentação do conjunto (também não se dizia banda!) Vinegar Joe, que se deslocava a Lisboa nesse 19 de janeiro.
Nos Vinegar Joe pontuava uma cantora em início de carreira, Elkie Brooks, que mais tarde, em carreira a solo, haveria de alcançar invejável triunfo. Quem não se lembra do seu grande êxito “Pearl’s a Singer”?
Este agrupamento trazia ainda na sua formação o guitarrista Robert Palmer, que também ele atingiu assinalável sucesso em nome próprio, de que o álbum “Addicted to Love” é um bom exemplo e ainda deve bailar na cabeça de alguns leitores.
Chegámos ao Saldanha ao cair da tarde. A movimentação já se fazia sentir. O facto de termos chegado cedo não fez com que conseguíssemos adquirir os almejados bilhetes. A procura era grande e a sala relativamente pequena.
Ficámos frustrados. Mas mesmo assim, abancámos por ali.
Quando a noite se fez noite, já eram largas centenas, talvez milhares os que invadiam a praça.
Com a chegada desta maralha veio também a alcateia policial, com escudos e bastões de modo a intimidar a jovem mole humana, que cada vez ganhava mais aderentes, especialmente alunos universitários a avaliar pelo aspeto.
Aí uma hora antes do espetáculo, lá do meio dessa maralha, começou a ouvir-se em surdina um grito que desconhecia de todo. Nunca os meus ouvidos haviam escutado tal palavrão e muito menos o seu significado.
Gritavam a uma só voz “FASCISTAS!! FASCISTAS!!”
Perguntei a um jovem barbudo ao meu lado o que queria dizer aquela palavra.
Respondeu-me atónito, mas empolgado, que FASCISTAS eram os do governo.
E assim, num repente, fiquei a saber o significado daquela nova palavra e de que lado da barricada eu estava!
Nisto, uma brutal carga policial, respondendo à provocação, desata à bastonada e à detenção de quem apanha pelo caminho.
Eu e o “Pastelinho”, batendo com os calcanhares no traseiro, zarpámos dali que nem dois foguetes humanos, escapando por um triz à fúria dos cassetetes.
Quando a carga terminou, a maralha não desarmou. Regressados à Praça do Saldanha voltaram as provocações e o grito em uníssono de FASCISTAS, que havia entretanto aprendido.
E eu, lá no meio da multidão (mas com uma boa margem de segurança), também experimentei erguer o braço, cerrar o punho e gritar a plenos pulmões “FASCISTAS!! FASCISTAS!!”
Não assistimos à apresentação dos Vinegar Joe naquele distante dia de janeiro de 1973. Porém, ficou-me na memória essa jornada de conhecimento e de consciencialização política que terá marcado o meu futuro de forma indelével, mesmo quando o “Pastelinho” me puxava pela fralda da camisa e segredava: “Isto num espetáculo do Nelson Ned nunca teria acontecido!”
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