Em Agosto escrevo sobre nada. O meu corpo, alma incluída, é um bloco monolítico, um mono sentado a uma mesa a comer sardinhas assadas com os dedos lambuzados de gordura, cuspindo uma espinha para a borda do prato.
De facto o texto de Agosto é um conjunto de palavras imersas num mar de preguiça, sem nexo, aleatórias, que não se conhecem de lado nenhum, como se fossem pessoas que se levantam da toalha e vão umas atrás das outras passear à beira do mar, de molhe a molhe da praia. São palavras gordas, palavras magras, obesas, musculadas, para trás e para a frente, palavras com filhos pela mão, com filhos às cavalitas, palavras montadas no dorso de uma prancha de madeira que desliza na lâmina de água que fica, palavras que ficam à babugem do desejo de um corpo que passa, palavras com calções às flores, justos, largos, na moda, todos os anos os mesmos, palavras velhas, novas, biquinis que de tão pequenos são monossilábicos, palavras boazonas, palavras de grandes barrigas, palavras inglesas e alemãs, palavras com sabor a bolas sem creme, palavras descalças, enterradas na areia, achando conchas para enfeitar um alegrete no Alentejo, palavras que dizem <i>ladies night </i>no céu, palavras desnorteadas como tainhas pequenas, frágeis como castelos de areia, frias como gelados, efémeras como espuma, sumarentas como ameixas vermelhas, palavras que cozem ao sol, enfiadas em chinelos de plástico, palavras que são uma bola verde a conversar com duas raquetas de madeira, palavras que dizem mal de uma cunhada, bem do filho que passou de ano, dizendo que já não aguentam o casamento, que ele bebe cada vez mais, que ela tem mais celulite do que no ano passado, dizendo que crescido que ele está, palavras lisboetas e nortenhas que por rios de alcatrão vieram desaguar a esta praia, palavras afogadas, falsas, pensando que a mulher do colega tem um corpo do caraças, palavras que dormem debaixo de chapéus de sol, palavras fechadas dentro de geleiras enroladas em prata ou película aderente, palavras pequenas molhadas que os pais enrolam em toalhas e a quem dão duas bolachas Maria ou um iogurte com pedaços de morango, palavras que são nortadas da parte da tarde, palavras que têm motores como barcos, silêncios como velas, asas como avionetas amarelas, asas como baldes, cabos de pás, cabos de mar, palavras que têm medo de peixes-aranha, que trazem sal nos olhos, que nadam de bruços, palavras que significam duas vezes gaivota, a dos ares e peixes nos bicos e aquelas das águas com pés nos pedais, palavras que se fumam, apagam e enterram na areia com o indicador, a mais das vezes o direito, palavras que vão ao bar beber uma cerveja com espuma de mar, palavras que são medalhas de bronze que se recebem na pele por mais um ano de sacrifício, palavras que ao fim da tarde passeiam cães pela trela.
Os cães deixam quatro palavras de cada vez quando andam.
Se eu fosse cão teria escrito mais depressa e talvez não se notasse tanto que este texto foi apenas uma maré vazia.
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A Associação de Paralisia Cerebral de Odemira (APCO) promove nesta quinta-feira, 10, a primeira edição da Conferência de Arte e Saúde Mental do Concelho de