Continuando a partilha das minhas notas de viagem por terras japonesas, aqui vos deixo mais um relato do que os meus olhos viram e o meu coração sentiu.
Já que estamos em maré de reflexão, aqui fica outra variável que me deixou pasmado. Reparei que havia, muitos homens e mulheres de avançada idade que prestavam os mais variados serviços. Ajudar peões a atravessar ruas, prestar informações em monumentos, aconselhar turistas em centros a tal dedicados e, imagino em muitas outras vertentes, que não tive ocasião de experienciar.
Depois, perguntei a que se devia tal opção de vida e um solícito ancião fez o favor de satisfazer a minha curiosidade, afirmando que esta era uma forma de envelhecimento ativo e também uma maneira de ocuparem o seu tempo, procurando ser úteis a si e à sociedade.
E eu dou comigo a pensar que bom que era que no meu país se adotassem políticas semelhantes e os velhos se continuassem a ser orgulhosamente úteis.
Hiroshima. O rosto da barbárie ali estava à nossa frente na prolongada visita que fizemos ao museu a este particular dedicado.
Naquela manhã de agosto de 1945, pelas 8h15 da manhã, lá no alto a vários milhares de metros de altitude, voava o famoso Enola Gay, que carregava no seu dorso aquela que viria a ser a causadora da maior atrocidade humana.
O bombardeiro largou a bomba a largos milhares de metros de altitude e esta, na sua descida vertiginosa, quando chegou aos 600 metros explodiu, criando a famosa imagem que todos guardamos na retina.
Morreram na altura da explosão atómica largos milhares de pessoas, mas, até dezembro desse ano, foram cerca de 200.000 as vidas ceifadas.
Não vou tomar nenhuma posição política acerca da matéria, até porque os americanos sofreram às mãos dos japoneses a maior derrota da sua existência em Perl Harbour e a retaliação seria a reação natural.
Apenas me quero referir ao ato ediondo de atirar sobre uma população indefesa um artefato de que não se conhecia na plenitude a sua capacidade de destruição e cujos efeitos perduram até aos dias de hoje.
Uma coisa é ler nos livros, ver em filmes, ver fotos do momento em que certa humanidade (se assim lhe puder chamar) desce à categoria dos mentecaptos. Outra coisa é vir aqui e constatar com os próprios olhos, apalpar as paredes doridas, ouvir os relatos dos que sobreviveram e visitar os monumentos e museu a este particular dedicado.
Numa sociedade tão evoluída como a japonesa, causou-me certa estranheza que as trocas comerciais sejam feitas quase sempre em dinheiro.
Grande parte dos restaurantes e outras lojas não aceitam cartões de crédito tornando a vida do viajante ocasional algo complicada, até porque cada levantamento de dinheiro com cartão vem acompanhado de uma pesada penalidade em forma de comissão.
Depois, trocar euros por ienes é uma tarefa que apenas se pode fazer em máquinas próprias para o efeito, e estas, se bem que existam, são por vezes difíceis de encontrar.
Numa sociedade toda ela voltada para a inovação, achei estranho ter de andar com um monte de dinheiro nos bolsos para fazer as compras do dia-a-dia.
E se falamos de máquinas inovadoras, achei graça a uma que já vi por aí algumas vezes, chamada de vending machine e é colocada em restaurantes e similares.
O cliente dirige-se à máquina e no ecrã multifunções faz a sua encomenda, a máquina pede-lhe o dinheiro (julgo que aceitam cartões) e depois da transação efetuada sentamo-nos e esperamos que o nosso número seja anunciado ou que nos tragam a comida à mesa.
Na verdade, estas “japonezisses” servem, e muito, para facilitar a vida tanto a clientes como a funcionários.
De regresso ao embasbacamento que este povo nos provoca, retorno a mais um caso de ficar de boca aberta e queixo caído.
Entrámos numa loja “Seven/Eleven”, uma cadeia muito popular por aqui e por toda a Ásia, para adquirir já não sei o quê. Aproveitámos para perguntar à senhora atrás do balcão o caminho para o castelo, um monumento que pretendíamos visitar.
Na rua chovia a bom chover. A temperatura anunciava 1ºC grau positivo. Frio de rachar… portanto!
Mostrámos o mapa e tentámos comunicar com sorrisos e uma mistura de línguas e gestos. A tal senhora ainda fez menção de nos dar indicações no mapa. Nisto, manda-nos esperar um instante. Quando regressa vem de casaco vestido e decidida a abandonar o seu posto de trabalho para nos ajudar a encontrar o caminho, só que desta feita acompanhando-nos até uma artéria onde se via a entrada do monumento.
Mais uma vez ficámos sem palavras. Agradecemos do coração a esta gentil senhora, que abandonou o seu local de trabalho num dia de chuva e frio para nos acompanhar na descoberta do caminho para o tal monumento.
Na verdade, já me faltam adjetivos para poder qualificar a gentileza e disponibilidade deste povo. Só posso dizer: ainda bem que vivi para viver estes momentos, que fazem de mim uma melhor pessoa e me dão exemplos de comportamento que, na verdade, não me lembra de verem outro sítio.
(continua)