<b>Ah, se ela me visse, se eu vivesse por breves instantes nos olhos dela, se ao menos ela me olhasse como olha uma nuvem que passa, bastava apenas um breve e fugaz relance.
Nem era preciso reparar em mim, não era preciso ficar na retina, chegava-me apenas saber que preenchi um espaço pequenino dentro das suas pupilas.
Mas ela nunca me viu, porque eu não existo. O meu corpo é apenas uma corda estendida entre nada e coisa nenhuma onde eu estendo a minha roupa fora de moda. Por dentro eu sou tudo. Sou uma paixão cavalgando no escuro das minhas noites sem dormir.
E se adormeço é só porque durmo dentro da minha ideia dela. </b>
– Ah, se ele encontrasse os meus olhos que eu deixo cair ao chão quando o vejo, se ao menos ele soubesse que ele é a luz dos meus olhos. Bastava-me apenas que ele me olhasse como olha um pássaro que voa e desaparece.
Nem era preciso ver que eu existo, não era preciso sequer um brilho nos olhos, chegava-me apenas saber que passei pelo seu campo visual.
Mas ele nunca me mirou, porque eu não sou nada. O meu corpo é apenas uma coisa vagabunda que onde está… não está.
Por dentro eu existo. Sou um quarto fechado forrado de poemas a sangrar nas minhas noites sem dormir.
E se adormeço é só porque durmo dentro do meu desejo por ele.
– <b>Hei-de passar incompleto pela minha vida. Sem ela nunca me hei-de completar, serei sempre uma imperfeição, um rascunho, um falhanço.
O meu pensamento tem uma faca que me corta. Pensar que nunca a hei-de ter nos meus braços, na minha pele, é uma ferida aberta onde eu ponho sal.
De que serve a vida, o sol, a alegria, se ela nunca há-de ser minha? </b>
– Hei-de passar inexistente pela minha vida. Sem ele sou o eco de um silêncio afogado em lágrimas, em soluços, em desespero.
Rasgo o meu coração, não preciso dele para nada. Bater por bater, mais vale morrer, mais vale não acordar. Para que preciso eu de um coração se não tiver os lábios dele bordados nos meus?! Para que preciso eu de esperança, de projectos, de futuro?
– <b>É desesperante de mais esta certeza de nunca a ter. Um dia agarro-a, aperto-a contra mim e mato a raiva de gostar tanto dela.
Se eu fosse capaz oferecia-lhe flores, um livro, um poema.
Dentro de mim já lhe ofereci flores, livros e poemas. Dentro de mim já lhe dei tudo.
Soubesse eu levantar os olhos para ela e talvez eu conseguisse sair do poço que eu sou.
De que me serve esta paixão, se eu sou o meu próprio caixão?! </b>
– É tão triste esta certeza de ele não me querer. Quem me dera que ele um dia me agarrasse, me apertasse contra si e me dissesse que gostava de mim. E me oferecesse flores, um livro, um poema.
Tenho flores, livros e poemas dele dentro de mim. Dentro de mim já recebi tudo.
Soubesse eu erguer os olhos para ele e talvez eu conseguisse subir até aos seus braços.
De que me serve este amor, se eu sou a minha própria dor?!
<b> (Apesar de mim, gostas de mim?) </b>