Construir sem proibir

Miguel Rego

arqueólogo

A recente sede em “proibir” toca os mais puros laivos de falta de cultura democrática em que somos férteis e que os 35 anos de Democracia não souberam fazer desaparecer. A dificuldade que existe em discutir ideias sem entrar na linguagem de caceteiro, na ofensa pessoal, na instigação à perseguição, na invocação do diz que diz-se para justificar todos os meios para atingir o vizinho do lado, é bem o sintoma disso mesmo. Seja para a Esquerda, seja para a Direita, encontramos pequenos (e grandes) ditadores que ignoram por completo conceitos tão simples como diálogo, discussão, esclarecimento, direito à indignação e à crítica, diferença de ideias, direito de ser diferente. E a recente febre de proibir, tão simplesmente proibir porque sim, nas escolas, em repartições públicas e noutros estabelecimentos, determinado tipo de roupa, a forma das calças, o tamanho das saias ou os decotes dos vestidos, causa-me um profundo arrepio e encaixa-se perfeitamente nesta onda moralista que se abateu sobre a nossa sociedade. E acima de tudo pela forma como estas regras estão a ser aplicadas com o beneplácito de pais e alunos, funcionários, sindicatos, chegando ao ridículo de ver pessoas a defender que “a minissaia deve ser banida e qualquer saia deve, pelo menos, tapar o joelho”. Definitivamente, regredimos cultural e intelectualmente, várias gerações, nos últimos dez, quinze anos. Para quem foi obrigado a usar bata e ver colegas com maiores problemas sociais e económicos serem descriminados por não a terem; para quem se lembra de quando se anunciava a sua origem menos modesta (eheh) em função dos calções e da camisola branca, meias verdes e ténis brancos, ao contrário da outra maior modéstia de quem tinha uns calções pretos, uma camisola amarela e uns ténis brancos com sola rasa, vestuários obrigatórios de escolas feitos para pessoas “diferentes”; para quem se recorda da descriminação clara e objectiva com que nos escolhiam para participar nas corridas do 10 de Junho ou nos torneios interescolares; para quem se recorda do que era ter escolas onde os alunos tinham farda e motorista particular e, nós ali ao lado, a sorte de ter o autocarro a quase um quilómetro de distância e, na maioria das vezes, ter de andar cinco quilómetros a pé para chegar a casa porque o dinheiro que havia ou era para o bilhete ou para uma sandes que aconchegasse o estômago; para quem se recorda de algumas destas coisas, ouvir falar em proibições e obrigatoriedade de usar, ou não usar, o que quer que seja, é um atentado grave às liberdades e aos direitos de cada um. A Liberdade e o respeito pelos outros são os únicos vértices imagináveis para a criação de qualquer barreira. E não podem ser as regras tentadoramente moralizantes de quem governa que podem pôr em causa o direito individual de cada um. A educação e a formação constroem-se. Mas não seguramente proibindo.

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