Longe vai o tempo em que o cante acontecia a cada esquina, era o bate certo nas tabernas e a companhia das gentes ao longo de cada jornada. Fluía tão naturalmente como se respirava e era um modo de expressão dos sentimentos, tão verdadeiro, como o próprio olhar. Tanto cantavam os ranchos labutando nas herdades, como se armava o terno nas lavouras atrás do arado ou se assobiava a moda tocando um rebanho. Em conjunto, cantavam muitos, na solidão, cantava um só.
Mas a realidade sócio-cultural específica, onde nasceu e ganhou raízes a nossa tradição vocal, transformou-se, profundamente, com a mecanização da agricultura e deixou de existir, por completo, com o abandono dos campos e o gradual apagamento do ruralismo.
A partir do início da década de 70, a prática do cante reduziu-se, quase em exclusivo, às actuações dos grupos corais e praticamente, só dentro deles, tem sobrevivido o costume de se cantar à alentejana.
Com excepção destes nichos de culto pela moda, onde ainda se repetem as letras, se veneram as sonoridades e se perpetua o cancioneiro, hoje subsiste apenas uma vontade morna de se ouvir cantar, ocasionalmente e por pouco tempo, pese embora o facto de estarmos perante uma riqueza nossa em vias de ser considerada património imaterial da humanidade.
A ligação profunda do cante às agruras da vida dos camponeses, provocou, desde a sua origem, uma clivagem nítida, entre quem cantava a moda e os demais que dela mantinham (e mantêm) um determinado distanciamento de resguardo.
E foi este estigma, esta marca do ferrete social que ao longo dos anos tem desviado da prática do cante as classes mais favorecidas e aqueles que por via da sua ascensão individual cuidam de apagar, ou ao menos disfarçar, as marcas da sua génese camponesa.
Só isto justifica que ora os nossos grupos corais padeçam tanto da falta de vozes e que numa semana, numa qualquer vila do Alentejo, seja possível constituir um coro polifónico com dezenas de elementos. Trata-se, nitidamente, de uma questão de estatuto.
Infelizmente, não conseguimos ainda fazer a destrinça entre a prática da tradição coral, daquilo que foi e representava a realidade degradante dos seus protagonistas no passado.
O cante hoje deve ser tido como um produto cultural, um património de inestimável valor, pertença colectiva de um povo e de uma região e não mais uma manifestação etnográfica específica do proletariado rural.
Mas para que futuramente se abrace com alma e sem preconceitos essa nossa prática cultural, é necessária uma evolução no conceito e do significado do cante alentejano, exorcizando o pendor negativo que o assombra. É, assim, premente que nas escolas seja demonstrada às crianças a riqueza desta nossa pertença e se promova uma aproximação descomplexada e global dos alentejanos à sua expressão vocal mais autêntica.
É por isso urgente a sua assunção como um bem cultural de todos, uma marca de cariz regional e de identidade que só pode valorizar quem o canta, libertando-o quanto antes da sua ligação à fome, à penúria, à exploração e à vida inditosa do nosso povo, o que tem, ao longo dos anos, sido uma inconfessada, mas óbvia, razão para o definhamento continuado dos nossos grupos corais.
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