A serenidade nos tempos de vírus

Vítor Encarnação

Uma elevada percentagem dos portugueses está a viver pela primeira vez um problema de grandes dimensões.
Com exceção da geração que ainda vivenciou a ditadura e a guerra do ultramar, todos os outros meus conterrâneos têm tido uma vida mais ou menos descansada ao longo destas últimas quase cinco décadas.
Ausente de guerras, de fome, de miséria, de conflitos, de perseguições, relativizando eu de propósito todas as outras questões para me fazer entender melhor, a sociedade portuguesa tem vivido no aconchego da democracia e na acalmia do continente europeu, principalmente aqui para este lado mais ocidental.
Sendo esta a primeira vez que a grande maioria de nós se depara com um problema desta envergadura e complexidade, é por isso altura de medir o nosso grau de maturidade na sua resolução.
É agora que vamos verificar de que têmpera social e comunitária somos feitos, é agora que cada um de nós, fazendo uso do seu dever de participação cívica, da sua solidariedade, dos seus valores éticos, da sua bondade, da sua determinação, sem oportunismos, sem demagogias, sem farsas, vai mostrar se é capaz de lutar pelo bem comum.
É nesta altura que vamos perceber, para além das nossas competências políticas, científicas, técnicas, que tipo de povo é este.
É nas grandes crises que se revelam os homens e as mulheres, uns mais conhecidos, outros menos, outros anónimos.
A forma como nós encaramos o que se está a passar revela muito sobre nós enquanto povo. A maneira como olhamos para o problema e o debatemos, ou desvalorizamos, ou valorizamos e vamos tentando resolver, é o resultado da nossa educação familiar, escolar, comunitária, social e, hoje em dia, também global. O caráter, o bom ou o mau, regula o nosso olhar sobre o que nos rodeia e preside às nossas decisões e tomadas de posição.
O alarmismo é uma questão de caráter, a irresponsabilidade é uma questão de caráter, a serenidade é uma questão de caráter. Entre os três há um mundo de diferenças.
O primeiro faz análises políticas baseadas em fundamentalismos partidários, em bazófias, em extremismos, espalha o medo, fomenta o pânico, atribui culpas, enxovalha, dissemina informações falsas, apouca o esforço, destrói pontes, mina diálogos, acusa, aponta o dedo aos outros, sempre aos outros, ausenta-se da dedicação coletiva, publica umas coisas troantes nas redes sociais, é boçal, é básico. Umberto Eco nunca teve tanta razão como agora.
O segundo arma-se em engraçado, não respeita as instruções, troça delas, um espirro aqui, uma tosse ali, só para ver as reações, sobranceiro e alarve diz que nada lhe pega, um medronho mata o bicho, isso é só conversa, quando morrer vou deitado, temos é que fazer a vida normal, isso é coisa inventada pelos chineses, isso é manobra dos americanos, em mim mando eu.
O terceiro usa a política em nome do interesse comum, serve o país, une, converge, divulga informação credível, partilha soluções, compreende a excecionalidade da situação, entende as fragilidades e as indecisões e por isso participa, por isso é discreto mas eficaz, faz a sua parte, aplaude o esforço, disponibiliza-se para ajudar, preocupa-se com os pais, preocupa-se com os filhos, preocupa-se com os outros, percebe que este não é o tempo dos egos, este é o tempo da união, é recatado, é polido.
Quando olho para a nossa sociedade vejo exemplos de todos. Arrepiam-me os primeiros, irritam-me os segundos, fico de alma cheia com os terceiros.
Comparando números, comparando atitudes, é reconfortante saber que estes últimos são mais, é animador verificar que estes é que vão fazer a diferença, estes é que são a essência deste povo.
Cada um em sua casa, cumprindo normas, acatando instruções, confiando nas instituições.
Fiquemos em casa. Nunca a solidão e o isolamento terão contribuído tanto para a coesão social como agora.

O autor utiliza o novo
Acordo Ortográfico

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