A minha primeira greve

Miguel Rego

arqueólogo

Participei na minha primeira greve geral, tinha começado a trabalhar numa empresa de máquinas agrícolas, havia dois dias. Estava numa espécie de travessia do deserto política, “por desvios ideológicos” … tinha abandonado o anterior posto de trabalho para conciliar tempos de estudo e propor-me como externo a uma disciplina para o exame do 11º ano. Ir para aquela greve era como ir para uma festa. Acampava-se junto aos portões da empresa, alguém levava qualquer coisa para o petisco, outros emprestavam a voz e os dedos nas canções. Um bidão com lenha a arder é uma imagem que fica bem neste cenário que acabo de descrever, mas não havia lá nenhum. No dia a seguir fui chamado ao senhor engenheiro, não por ter participado na greve, mas por não ter dito que ia fazer greve e, acima de tudo, porque estava na empresa há dois dias (!)… Não houve discussão, nem tinha que haver, voltei a fazer mais duas ou três greves sectoriais, mas saí da empresa um ano depois quando, já ocupando um lugarzinho jeitoso, me “proibiram” de fazer trabalhos de menor responsabilidade, naqueles que eu respirava como tempos de descompressão, como por exemplo, limpar prateleiras, pôr massa nas peças armazenadas, etc.. Muito menos cantando a plenos pulmões o “Venham mais cinco” quando havia clientes no armazém. Não gostei, despi a minha bata bordeaux (as dos outros eram azuis), e disse-lhes para passarem bem que eu tinha mais que fazer. Feitios. Fui de cavalo para burro num instante. Dois dias depois estava a trabalhar nas obras, agarrado a uma caldeira de alcatrão… Foi o que consegui arranjar ao pé de casa e a meio caminho da escola. Mas não tardou que me indignasse com duas ou três situações, como por exemplo ter que chegar meia hora mais cedo que os pedreiros, para ter a betoneira atafulhada, sem que nos pagassem mais por isso. Juntei o pessoal afectado e começámos a descontar a meia hora ao almoço e ao fim do dia. O patrão soube e não gostou. Sendo eu o acusado por um colega, chamaram-me. Ripou-me. Mas começámos a ir mais cedo só 15 minutos e a coisa normalizou-se. Não fui despedido, despedi-me para ir para um trabalhinho mais agradável e, oito anos depois, quando já licenciado, encontrei-me com o dito patrão, em Lisboa, oferecendo-me, então, um lugar para mim como apontador. Na altura disse que estava servido, mas que um dia, quem sabe, podia fazer falta (ainda acho). Mas tudo isto a propósito da diferença de atitude nos dias de hoje. Um familiar meu, até agora um “bom funcionário”, corre o risco de não ver o contrato renovado porque fez greve. Colegas de faculdade não fizeram greve porque temem o processo de avaliação. Um funcionário de uma autarquia “fez” greve porque não tinha transporte e como quase todos faziam, fez também… A fragilidade dos empregos, a falta de segurança, o medo do desemprego, mas também a ausência de trabalho político e de informação transformaram-nos em meros números, que desta vez nem sabemos quais foram. Acabou a festa. E devagar matamos o esplendor da democracia, do tempo em que se caminhava por consciência formada. Em que se optava pelo Sim ou pelo Não. Instala-se pouco a pouco o medo e, o servilismo, “tinge” as relações entre as pessoas. Só nos sobra o Contra Informação.

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