Quando alguém que é apelidado pela polícia como um dos maiores traficante de droga do país é absolvido em tribunal, algo de estranho se passa. Quando o mesmo foi antes condenado por um tribunal português, andou em fuga durante quatro anos, foi preso, extraditado, conseguiu a repetição do julgamento e teve como veredicto inocente, a situação é de incredulidade.
É complexo tentar explicar numa crónica jornalística o que terá acontecido; brevitatis causa, a questão relaciona-se com algumas irregularidades processuais! Um qualquer pequeno lapso no processo, uma questiúncula de pormenor, teve como resultado o impensável: um conhecido traficante de droga passou impune pela Justiça portuguesa.
A situação é tão caricata, que o mesmo poderá agora propor uma acção contra o Estado e exigir uma indemnização. Sim, os contribuintes portugueses podem ter de pagar a este reputado traficante de droga, que ficou em liberdade por erro judicial, uma compensação económica pelos (poucos) incómodos dos nossos tribunais.
Interessa-me pouco dissertar sobre o caso concreto: é apenas uma árvore na imensa floresta do disparate judicial, cujos responsáveis não são apenas os julgadores, mas também o Ministério Público, os advogados, o Estado pelo reiterado desinteresse pelo funcionamento dos tribunais, o irresponsável legislador e, importa não esquecer, todos os que ensinamos Direito.
A nua verdade é que continuamos com um processo, seja ele cível ou penal, profundamente desajustada, que continua a dar primazia à verdade processual em detrimento da verdade dos factos, que privilegia a forma e desvaloriza o conteúdo. O processo hoje não é um meio para alcançar a verdade, mas uma imensa ratoeira, plena de alçapões, imensos caminhos ínvios, verdadeiras avenidas acessíveis a advogados astutos, um privilegiado campo susceptível de permitir compadrios, uma mina de possibilidades para adiar a Justiça ou impedir que a esta se realize!
Sejamos claro: o preocupante no caso deste traficante é o facto de situações similares se repetirem quotidianamente nos nossos tribunais, perante a uma indiferença geral, como se tudo isto fosse normal ou comum, sem gritos de revolta ou indignação.
Pessoalmente, escolho não me calar. A degradação dos tribunais, a queda do império do Estado de Direito é o decisivo passo para a tirania da arbitrariedade. Importa não esquecer: quando os portugueses perderem completamente a capacidade de acreditar na Justiça, nada mais nos separa da anarquia.
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