A lógica das desigualdades

Quinta-feira, 10 Abril, 2014

D. António Vitalino Dantas

Bispo de Beja

O itinerário da vida cristã é um seguimento dos passos de Cristo, umas vezes subindo o monte com ele, para, na intimidade nos deixarmos transfigurar pela sua luz, outras vezes descendo o monte da transfiguração para o seguir a caminho de Jerusalém, onde com ele nos despojamos do apego às coisas e a nós mesmos, oferecendo a nossa vida por amor a todos os irmãos, sobretudo os marginalizados e descartados da sua dignidade. Neste caminho somos assaltados por muitas tentações, que por vezes nos incitam ao abandono do Mestre, impedindo-nos de ver qualquer sentido nesse itinerário.
Na verdade, a lógica de Cristo e do seu seguimento parece uma loucura para a inteligência humana, mas é sabedoria de Deus para a nossa salvação. Parece que temos de nadar contra a maré, o que só os grandes atletas, fruto de muito treino, conseguem, sobretudo quando as ondas são fortes e nos impelem em sentido contrário. A lógica humana empurra-nos para o ter cada vez mais: meios materiais, poder e prazer, quase sempre à custa dos outros, que destituimos da sua dignidade de pessoas iguais a nós, com os mesmos direitos e deveres. Esta lógica cava cada vez mais o fosso entre ricos e pobres, entre senhores afortunados e escravos. E não precisamos de recuar ao tempo da escravatura ou das grandes guerras do passado. Isto podemos verificar entre nós, neste tempo de crise económica, de austeridade, cujas raízes profundas estão no nosso coração e nos sistemas políticos e económicos sem justiça, sem valores.
O Papa Francisco, e com ele muitos que levam a sua vida cristã a sério, começam a ser escutados, mesmo por quem não partilha os ideais do Evangelho. É só ler e ouvir os comentários favoráveis de afirmações fortes dos discursos e gestos papais, vindos de todos os quadrantes. No entanto, tenho a impressão que fazemos disso uma arma de arremesso contra os outros, que julgamos os culpados de tudo. Muitos dos que falam escondem outros interesses. Fazem parte dos que são mais iguais que a grande maioria dos cidadãos, pertencem aos que usufruem salários ou reformas milionárias e pouco partilham com as vítimas da crise, as centenas de milhares cada vez mais pobres.

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