“Chamar a atenção” e “alertar as consciências” para aquilo que considera ser “a situação de perigo agravado” em que se encontra actualmente o cante alentejano foi o mote que levou José Francisco Colaço Guerreiro, advogado em Castro Verde e autor do programa “Património” na Rádio Castrense, a lançar o livro Descantes.
A apresentação do novo livro está agendada para esta sexta-feira, 27, pelas 18h00, no Fórum Municipal de Castro Verde e contará com a presença do músico Janita Salomé, que prefaciou a obra.
Tendo a chancela da editora Narrativa, o livro conta com o apoio da Câmara de Castro Verde e teve “estreia mundial” na Alemanha, na Feira do Livro de Frankfurt, sendo “uma súmula de reflexões, vivências, experiências, intervenções e iniciativas” que o autor desenvolveu nos últimos 50 anos “em torno do cante e de outros cantares do Alentejo”.
“Por conseguinte, [o livro] ilustra não só uma visão poética das práticas vocais, mas também, e especialmente, a busca de caminhos para organizar e soluções para as fortalecer, promover e dignificar. Tratamos de uma forma mais exaustiva o cante alentejano, dando todo o enfoque ao facto de, na minha perspectiva, os grupos corais serem os grandes guardiões dessa nossa riqueza cultural”, frisa Colaço Guerreiro em declarações ao “CA”.
“Os tempos modernos são uma espécie de esponja que tendem a apagar sofregamente das memórias os traços e marcas do passado, em nome de um futuro livre das coisas velhas e assente na sacro-santa globalização.”
José Francisco Colaço Guerreiro | autor
Segundo o autor, Descantes surge numa época em que “a realidade actual e o futuro do cante” não o deixam “nada tranquilo”. Por isso, “achei ser premente divulgar alguns textos e pensamentos que ao longo dos anos produzi sobre a nossa tradição vocal, com o intuito de chamar a atenção e alertar as consciências para a situação de perigo agravado em que agora se encontra uma nossa riqueza cultural basilar e que também é Património Imaterial da Humanidade”.
Colaço Guerreiro reforça que o trabalho agora editado “é quase um caderno de campo, onde em tempos diferentes e sobre problemas variados”, foi “gizando propostas de soluções para as adversidades maiores com que se têm defrontado o cante em geral, e os grupos corais em particular”, numa era em que “a tudo o que é popular, mesmo que seja intrinsecamente muito valioso, não lhe é realmente reconhecida a importância que tem”.
“Os tempos modernos são uma espécie de esponja que tendem a apagar sofregamente das memórias os traços e marcas do passado, em nome de um futuro livre das coisas velhas e assente na sacro-santa globalização. Por isso, nas últimas décadas, o ímpeto na corrida para a importação e assimilação indiscriminada de novos usos e valores varreram do nosso dia-a-dia a essência da identidade própria, provocando a transfiguração do viver rural liberto dos costumes identitários”, advoga Colaço Guerreiro.
Na opinião de Colaço Guerreiro, “foi nesta onda de linchamento que o nosso património imaterial perdeu muitas tradições e costumes ligados a práticas vocais”.
“Do muito que havia, restou praticamente o cante sustentado e protegido dentro da concha dos grupos corais. Todos os outros cantares tradicionais, desde o despique aos bailes cantados, foram arredados da memória e consequentemente, não ficámos culturalmente mais ricos, mas empobrecemos”, acrescenta o autor, que conclui: “É com essa consciência que no Descantes relatamos várias formas de expressão vocal perdidas e outras em vias disso”.