Presidente da AgdA: “Não temos expetativa de faltar água para abastecimento no Alentejo”

Em entrevista ao “CA”, o presidente da empresa Águas Públicas do Alentejo, Francisco Narciso, avalia os quase 13 anos de trabalho da empresa e não esconde a sua preocupação com a redução de reservas de água na região.

O Alentejo (e Portugal) está em situação de seca severa. Está preocupado?

Obviamente! Quando dizemos que a água disponível nos solos é cerca de menos 20%, é certo que vamos ter problemas nas captações. É incontornável!

Mas já há problemas nas captações?

Ao longo dos últimos dois anos estamos a ter vários sinais de preocupação em zonas onde não tínhamos [problemas]. Estamos a substituir situações que eram mais críticas anteriormente por água superficial, nomeadamente no Monte da Rocha e também no Enxoé, e não vamos chegar a todo o lado porque temos planos para soluções autónomas que tinham um histórico de fiabilidade. Mas começamos a ter novos sinais em várias zonas do território, porque de facto a escassez [de água] assola.

A situação do Monte da Rocha é a vossa maior “dor de cabeça”?

O Monte da Rocha, tradicionalmente, tem sido uma preocupação. Este ano não está pior do que em anos muito próximos, mas causa sempre preocupação, apesar de terem sido dados passos muito importantes para a ligação ao Alqueva. Mas há outros casos de preocupação a aparecer, o mais evidente em Santa Clara [no concelho de Odemira]. A evolução de Santa Clara tem paralelismo com a evolução do Monte da Rocha em termos de decaimento, mas havia mais água lá armazenada! Isso são sinais de grande preocupação, assim como em toda a zona do litoral, onde a conjugação de alterações climáticas, situações de seca prolongada e pressões na procura – seja turismo, seja atividades económicas – é também um motivo que nos inspira preocupação e em que temos estado a trabalhar.

Existe alguma situação de maior risco que possa colocar em causa o abastecimento às populações?

Neste momento não temos nenhum quadro dessa dificuldade. Em alguns pequenos aglomerados temos situações que nos estão a exigir algumas medidas de contingência. Mas no todo do território, não temos essa expetativa [de faltar água para abastecimento].

A seca é um problema que veio para ficar. Como podemos lidar com esta situação?

Não estamos a falar de uma situação conjuntural, é estrutural. Temos mesmo de aprender a viver com menos água. E vamos ter de fazer opções a nível de ordenamento. Ou seja, não vamos poder querer fazer tudo o que gostaríamos, vamos ter que selecionar. São opções dessa natureza que vamos ter de fazer.

“Estamos com cerca de dois terços do plano de investimento inicial concretizados, já investimos cerca de 160 milhões de euros, ou seja, e grosso modo, 110 milhões em abastecimento de água e 50 milhões em saneamento.”

A Águas Públicas do Alentejo (AgdA) gere o Sistema Público de Parceria Integrado de Águas do Alentejo [em alta] desde setembro de 2009. Que balanço faz do caminho percorrido até ao momento?

Para já, um balanço extremamente positivo em termos de evolução. Este é sempre um setor em que, normalmente, a ‘publicidade’ que há é, essencialmente, quando qualquer coisa corre menos bem. E numa sequência de anos extremamente difícil, estarmos hoje com poucas dificuldades no abastecimento de água e com poucos casos de situações excecionais no nosso território é uma marca muito significativa das nossas intervenções. Ainda recentemente alguém falava sobre o que seria do nosso território se muitas destas intervenções não tivessem sido feitas…

Consegue imaginar?

Para dar um exemplo, em 2019 gastaram-se mais de 1,2 milhões de euros com transporte de água [para abastecimento às populações]. Mas no final do ano passado foram ligados 29 pequenos aglomerados nos concelhos de Odemira, Almodôvar, Mértola e Castro Verde, que eram situações muito gritantes. Ainda hoje [terça-feira, 5 de julho] estão em testes as ligações a mais cinco aglomerados, nos concelhos de Almodôvar e Mértola. Portanto, são situações em que pura e simplesmente as soluções autónomas que existiam – ou seja, furos – praticamente deixaram de ser utilizadas. E essa é uma marca muito importante.

Há outras?

Uma segunda marca muito importante é que dois terços da população deste território estavam servidos por estações de tratamento de águas residuais (ETAR) que estavam manifestamente em total incumprimento das normas nacionais e comunitárias. Isso mudou e esses são dois marcos muito grandes. Mas também há da nossa parte uma insatisfação, porque o plano era de facto ter feito mais neste período.

O que impediu isso?

Este período foi marcado por uma crise financeira sem precedentes, com a imposição de um conjunto grande de constrangimentos que têm prejudicado de forma significativa não só o ritmo que estava inicialmente planeado, como as expetativas de todos os parceiros. Mas é evidente que isto são circunstâncias que nós não dominamos, que nos foram impostas e que temos de procurar responder a elas. Isto para dizer que ainda nos falta fazer muita coisa. Estamos com cerca de dois terços do plano de investimento inicial concretizados, já investimos cerca de 160 milhões de euros, ou seja, e grosso modo, 110 milhões em abastecimento de água e 50 milhões em saneamento. E achamos que ainda vamos investir mais entre 80 a 100 milhões, consoante o próximo quadro comunitário.

O que destaca entre o falta ainda fazer?

Muitas coisas importantes… Temos agora em curso a obra da estação de tratamento de água (ETA) do Enxoé, que só ao terceiro concurso público é que conseguiu ir para o terreno.

Mas que outras obras faltam fazer além da ETA do Enxoé? Falta intervir em mais de 70 pequenas ETAR. Já está em curso o sistema do Rosário (Almodôvar), já consignámos a nova ETAR de Cuba, já lançámos o concurso para Ermidas-Sado e temos preparado, para os próximos tempos, os concursos para Ciborro e Santiago do Escoural.

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Correio Alentejo

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