Morreu António Inverno

Morreu António Inverno

Morreu o artista plástico António Inverno. Tinha 71 anos e, além do seu trabalho como pintor e grande referência da serigrafia em Portugal, era também professor no Instituto Politécnico de Beja. À família enlutada, em particular aos seus dois filhos, o “CA” manifesta o seu profundo pesar.
Para homenagear a memória de António Inverno, publicamos na íntegra um artigo do jornalista António José Brito, publicado há cinco anos no “CA”, na sequência de uma entrevista concedida pelo artista plástico à extinta revista "30 DIAS".

“É COM AS ARTES QUE FAREI
DO MEU FILHO UM HOMEM”

“António Inverno é um homem muito simples. Muito culto. António Inverno é um alentejano de Monsaraz, que cresceu na Lisboa dos artistas, da PIDE e da vida boémia. Uma Lisboa onde se cansou de estar e que trocou por amor ao Alentejo.
Tem 66 anos e assume-se como “um homem livre”. Um homem profundamente apaixonado pelo pequeno filho de oito anos que, lê-se nos seus olhos muito abertos e marejados, é o grande desafio para o resto da sua vida.
“É com as artes que farei o meu filho um homem. Se calhar fui mau pai para o primeiro, porque nunca atravessei uma rua para lhe comprar um brinquedo. A este sou capaz de correr o mundo para lhe comprar um lápis.”
Mestre António em estado puro. Cristalino. Uma figura que se entremeia entre os silêncios sentidos, as memórias dolorosas, a vida cheia de luz e muito divertida.
Um pintor fulgurante, que calejou as saudades do Alentejo nas ruas da velha Lisboa. Traçando risco que, dizem, reflectem “a herança da utopia e do sonho do Alentejo”. O que é isto, António? “Procuro inventar o mundo onde gostava de viver, com aqueles traços e aquelas formas. O Alentejo era um sonho…”
Era! Pelos visto, para António Inverno, já não é. Não se sente maltratado ou atraiçoado. Mas sente falta da solidariedade de outrora. Da honestidade, do aperto de mão, do valor da palavra e da franqueza. Tudo parece ter mudado no Alentejo: “Encontro coisas que eu dizia que não minha terra nunca iriam acontecer… mas estão aí! Estão aí.”
No meio deste novelo de desassossegos, o pintor que encantou a Lisboa do Chiado e abriu caminho à serigrafia em Portugal, sente-se desperdiçado. Confessa-se “a empatar e a queimar o tempo”! “Não me fui embora porque tenho cá uma criança com oito anos de que gosto muito. Tenho aqui o meu querido filho, se não já tinha ido embora!”

DITADURA E LIBERDADE
Cercados pela dura mão de Salazar, em meados de Sessenta os portugueses estavam amordaçados. Também as artes estavam cercadas. A PIDE controlava a criatividade com dolorosas e implacáveis grilhetas.
Inconformado, António Inverno deu asas à serigrafia em Portugal e encheu as telas de motivos a reflectir inconformismo. Palavras de ordem a inundarem a vida, as ruas e as casas de cada um. “A serigrafia é o telegrama mais rápido do artista. Eu faço uma e multiplico-a em 200 exemplares, que vão para a casa das pessoas.”
António Inverno torna-se conhecido, convive com os grandes nomes e ganha muito dinheiro. Podia ser hoje um homem muito rico! Não é. Essas fortunas deram-lhe campo para a generosidade. Tantas vezes para sacrifícios em nome de um gesto solidário.
“ Ajudei muita gente! Houve pessoas que estudaram e formaram-se e foi o António Inverno que pagou. Ninguém me obrigou ou pediu. Mas fiz isso. Cheguei a proteger filhos de prostitutas, que morriam. Isso custa muito dinheiro. Eu também preciso de comprar bifes… mas nunca liguei ao dinheiro!”

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Correio Alentejo

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