Verão

Vítor Encarnação

O Verão é claramente feminino.
Se querem saber, eu acho que o Verão é uma mulher madura, daquelas em que o corpo é um pão quente para pôr manteiga e comer côdea e miolo. E lamber os dedos.
Numa crepitante pele de trigo, derretem-se a manteiga e os homens.
A terra, toda ela, principalmente a mais interior, é um vulcão aceso, ardendo em lume brando. Parece imóvel e descansada. Serena e quieta. Mas não, no seu seio, há sinais de fumo, pensamentos em ala, palavras que são labaredas, bichinhos de fogo, fantasias atiçando brasas. Por baixo do calor que se sente com os olhos, parece que há um inferno a arder.
O silêncio é maior no Verão. É na calma do mundo alentejano que ele atinge a sua plenitude. É como se fosse um enorme aquário de ar cozido, onde rastejam bichos, se imobilizam os animais domésticos e os relógios dormem a folga à sombra de uma parreira.
O silêncio é um saco cheio de coisas paradas, com o sol escaldante a tapar-lhe a boca. Neste borralho, a matéria desiste. Debaixo desta torreira, a vida fica torpe e parte a corda do tempo.
E lá ao fundo parece haver água que se agita e burbureja, mas quando lá chegamos encontramos apenas um chão duro e morto.
Não, não me esqueci de que o Verão é mulher. É também por isso que a terra se abre em fendas.
No Estio, o Alentejo é uma mulher feita deitada de costas.
As oliveiras fazem de cabelos em desalinho. Uma eira limpa faz de rosto. O sol de lábios. Duas guaritas de peitos. O umbigo faz de vale pequenino. Os braços duas veredas que nos levam. As pernas duas estradas que se afastam. E no fim o restolho.

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