Aeroporto de Frankfurt-Hahn. Renânia-Palatinado. Alemanha.
O céu é chumbo congelado e o frio alimenta a neve que emoldura a pista onde o avião poisa como um pássaro. Foi por verem os pássaros que o Homem sonhou os aviões. De dentro desse sonho realizado saíram mulheres e homens, apressados, carregando sacos e puxando malas com rodas. De repente, o grupo que viajou dentro do pássaro desfez-se, dividiu-se em carros, em autocarros, em táxis, em nova porta de embarque e partiu a caminho das suas vidas. Talvez nunca mais se cruzem.
Procuro a empresa com um nome profundamente germânico que me há-de fornecer o carro. Lá a descubro ao fundo do corredor. Na parede, por detrás de uma jovem loura com olhos de um azul congelado, há dois símbolos diferentes. O que me interessa, aquele que risca a garganta quando se pronuncia, tem uma cadeira vazia à frente. Presumo que devo esperar que chegue alguém. Encosto-me ao balcão mesmo em frente do símbolo igual ao que levo na minha confirmação de reserva e espero. De vez em quando olho para a jovem à espera do conforto de um sorriso ou de uma palavra. Mas a jovem nada diz, a jovem domina a arte do silêncio e da indiferença. Algum tempo depois, incomodado com a demora, perguntei onde estava a pessoa para me atender, e ela, num inglês a riscar a garganta, disse-me de uma forma mais fria que o frio que alimenta a neve: Estou aqui! Não me vê aqui?!
Como podia eu, estrangeiro, embora a circular livremente pelo espaço europeu, mas estrangeiro, como podia eu não a ver?! Ausländer. Ela não o diz, mas eu ouço alguém a dizê-lo na fila de um supermercado em Estugarda no princípio dos anos oitenta.
Os documentos da reserva do carro estão escritos em português. No Portuguese, please. No Portuguese, only English. Digladiamo-nos em inglês e em alemão até que do confronto, contestadas taxas adicionais e impugnados seguros suplementares, num golpe final de cartão de débito, eu consigo a chave do carro. Ligo o rádio do carro com matrícula eslovaca e ouço uma estação do Luxemburgo. O dono do hotel era búlgaro, o empregado do restaurante italiano, turca a mulher da bomba de gasolina, paquistanês o vendedor do Bratwurst, alemão o homem que passeava o cão junto ao Château de Malbrouck em França. Malbrough s’en va-t-en guerre, Mironton, mironton, mirontaine, Malbrough s’en va-t-en guerre, Ne sait quand reviendra, Ne sait quand reviendra. Em Trier, junto à Porta Nigra e à Karl-Marx Haus, línguas estrangeiras tocam-se num beijo universal.
Em frente ao Musée Européen Schengen, paralelo à Rue Robert Goebbels, onde em catorze de Junho de mil novecentos e oitenta e cinco eu deixei de ser Ausländer, étranger, foreigner, o rio Mosel corre carregado de Inverno.
No triângulo das três fronteiras, ao mesmo tempo cabem nos meus olhos a Alemanha, o Luxemburgo e a França.
E ali onde o sonho europeu se realizou, também eu sonho que um dia numa praia do Algarve hei-de encontrar aqueles olhos azuis tão frios cheios de um azul quente.

Quase metade da dotação do Alentejo 2030 contratualizada com as comunidades intermunicipais
Quase metade dos 1.104 milhões de euros que constituem o pacote financeiro do Programa Regional Alentejo 2030 vai ser alocada às cinco comunidades intermunicipais (CIM)