Os tempos estão a mudar

Quinta-feira, 20 Outubro, 2016

Napoleão Mira

empresário

Quando saiu a notícia que Bob Dylan fora galardoado com o Nobel da literatura rejubilei de alegria. O que não esperava e me deixou incrédulo, foram os comentários depreciativos de alguns escritores de renome da nossa praça.
Por exemplo: a escritora Alice Vieira escreveu no seu Facebook: — “Digam-me que é aldrabice. Digam-me que estão a gozar comigo. Digam-me que o Bob Dylan não ganhou o Nobel da Literatura”, adiantou ainda no mesmo espaço “Se fosse aos galardoados anteriores, devolvia o prémio. Juro”. E para compor o ramalhete do destrambelho de que foi possuída, ironizou: “Estou a preparar a candidatura do Quim Barreiros para o próximo ano”.
Caramba! Mesmo que ironicamente comparar o nosso bem disposto Quim Barreiros com um dos grandes mestres da palavra, é o mesmo que comparar o cú com a Feira de Castro, curiosamente, o local onde matuto nesta crónica enquanto naufrago rua abaixo neste mar de gente que desagua no largo onde esta peregrinação se repete ano após ano há quase quatrocentos deles.
Lá atrás, sopradas pelo vento (para fazer jus ao Dylan em que penso), ainda ecoam as vozes dos homens e mulheres desta terra que perfumam de alentejanidade o ambiente festivo que por aqui se vive.
De regresso ao agraciado dou comigo a pensar na justeza do prémio atribuído. O homem tem trinta e sete discos editados em cinquenta e cinco anos de carreira. É considerado um dos grandes poetas contemporâneos sendo a sua obra estudada em várias universidades do seu país. Influenciou múltiplas gerações de músicos e de melómanos. Combateu com a sua poesia e a sua música a política norte-americana nomeadamente a intervenção militar no Vietname. Bob Dylan é ainda para além de músico, compositor, pintor, escritor, poeta e pontualmente ator, tendo dedicado toda a sua vida à criação artística e, nas palavras de alguns nomes sonantes da nossa praça, não é merecedor do galardão em causa?
Mergulhando neste tsunami humano onde me perco, vislumbro por entre a maralha um homem de costas de guitarra ao peito e chapéu negro na cabeça. Parece-me ser o homenageado desta crónica. Na minha assumida senilidade parece-me tocar os primeiros acordes da música The Times They Are A Changin. Aproximo-me para me certificar do que os meus ouvidos parecem escutar.
Não é o Dylan mas sim o João Pestana, um outro trovador que há muito anima os dias da feira com a sua voz límpida e melodiosa.
Retornado à realidade de onde por momentos me alheara, dou comigo a rir-me de mim mesmo e penso que, lá para os lados da Suécia os tempos estão mesmo a mudar. Eu, daqui, da minha insignificante pequenez saúdo-lhes a coragem e a clarividência.

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