O tempo perguntou ao tempo
qual é o tempo que o tempo tem.
O tempo respondeu ao tempo
que não tem tempo para dizer ao tempo
que o tempo do tempo é o tempo que o tempo tem.
Tempo é aquela medida que se começa a esgotar desde o dia em que nascemos e que durante toda a vida lutamos para dele dispor. No entanto, quando a vida se esvai, fica a sensação de que o tratámos de forma displicente.
Uma das coisas de que os alentejanos são acusados é de serem lentos, ou seja, de tratarem as coisas com o tempo que o tempo merece ao não passarem por este, como cão por vinha vindimada. Aqui, o tempo ainda é tratado como um bem precioso a preservar e que se quer saboreado pausadamente. Diria mesmo que deveria ser elevado a “Património da Alentejanidade”.
Nunca a frase “nos tempos que correm” foi tão acertadamente aplicada. Na verdade, tudo se faz hoje a correr numa frenética ânsia de o fintar, de lhe ganhar a corrida, de o derrotar, embora saibamos ser esta uma tarefa impossível.
Ao rebobinar algumas das memórias “além tejanas”, recordo um tempo em que para se fazer uma viagem, por mais pequena que fosse, era sempre atempada e marcada com rituais de despedidas ou de chegadas. Por exemplo, hoje vamos a Lisboa e voltamos no mesmo dia, sem que na vila disso se apercebam, ou seja, não lhe damos tempo!
Noutras latitudes temporais que bem recordo, vivia-se em acordo com a natureza. Legumes e frutos vinham na sua época, portanto, no seu tempo; eram degustados com a avidez de quem tinha saudades desses sabores há muito aguardados, sendo sempre uma festa a comparação de tamanhos e paladares das espécies por uns e outros cultivados. Os nossos eram sempre os melhores!
Agora temos de tudo a toda a hora e em todo o lugar, que sendo um beneficio inquestionável, é também um significativo prejuízo para a magia das coisas. Pessoalmente não tenho necessidade de comer tomate, pepino ou melão o ano inteiro, e no ordenamento cósmico do universo, nem sequer sei se tal não será contraproducente, pelo menos uma coisa eu sei: perderam-se as expectativas temporais de quem sabe que algo de bom está para chegar.
Tomando-me a mim próprio como cobaia, sei que sou muito mau exemplo. Tão mau, que um meu conterrâneo quando soube que o tinha chamado de “Janito das Fezes” (esta era afinal a sua alcunha, o que detestava de sobremaneira), tratou logo de me baptizar com uma alcunha que tem a ver com o tema desta crónica: “O Pára-Pouco”. Ao contrário dele, não me apoquentava de todo, mas é sintomático que só me chamou assim porque o meu comportamento indiciava que era uma pessoa que usufruía do tempo como o tal canito em vinha vindimada.
Ainda não estou curado, mas juro que me estou a tentar tratar, e a alcunha com que o “Sr. João dos Cuidados” me baptizou foi um excelente sinal de alarme.
Escrevo às 8h30 minutos da manhã, altura em que posso desfrutar de um tempo sem azáfama, em que só se ouve o ruído dos dedos percorrendo o teclado, debitando palavras ao ritmo dum tempo que terminará mal o telefone toque pela primeira vez, o que malogradamente acabou de acontecer.