“O padre B era o perfeito da camarata e engraçou comigo. Ia à minha cama com a lanterna e apalpava-me, perguntava-me se eu já pecara. Vivi sempre sobressaltado. Tinha medo porque era pecador e ia para o inferno.”
“No 5º ano, dormia ainda ‘na camarata dos pequenitos’, levantou-se sonâmbulo, agarrou na roupa suja e foi ter ao quarto do padre. Só se lembra de ter acordado na cama dele. É o próprio padre que lhe contará esta situação mais tarde, numa carta que lhe escreve – em plena crise de consciência […].”
Estes dois relatos constam do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa e dizem respeito a testemunhos de vítimas no interior do país. A geografia acaba por ser aqui o menos importante – grave e inaceitável é o relatado pelas vítimas.
O relatório apresentado esta semana pela equipa liderada por Pedro Strecht é duro, intolerável e dramático. Relatos de de horror de quem passou por uma experiência traumática e irreparável e que acabam, em síntese, por confirmar aquelas que eram suspeitas antigas, tanto local como nacionalmente,
Mas mais que revelar situações inadmissíveis, este relatório – solicitado pela própria Igreja, o que é de saudar – deve ser o princípio da reparação. Como disse o padre jesuíta Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores e um dos maiores especialistas no campo da proteção contra o abuso sexual, “isto não é o fim, mas o início de algo”. Que assim seja…