O Povo do Lago

Napoleão Mira

empresário

Nem só de pão vive o homem. Que é como quem diz: nem só de Cusco e Machu Picchu vive o Peru.
O dia de hoje, aquele em que escrevo, foi um daqueles dias que dou por abençoada a minha existência.
Aqui, a mais de 3.800 metros de altitude, existe o maior lago navegável do planeta, com os seus 8.560 quilómetros quadrados de superfície aquática e 280 de profundidade. Falamos, logicamente, do Lago Titicaca, um espelho de água dividido entre o Peru e a Bolívia em plena cordilheira andina.
É neste “mar” que vive o povo do lago. É aqui que vivem os Uros. Uma comunidade que sobrevive desde sempre em ilhas flutuantes feitas à base de uma planta que cresce no lago, a totora; uma espécie de junco ou atabua, de grande capacidade flutuante.
Todos os Uros não serão mais de 2.000 vivendo em cerca de 120 destas ilhotas flutuantes construídas com a tal totora.
Em cada uma delas vive uma pequena comunidade de entre 10 a 20 pessoas que, até à chegada do turismo e antes dos incas e dos espanhóis, já sobreviviam da riqueza do lago. Hoje os incas desapareceram, os espanhóis foram para a terra deles e os Uros por cá continuam, dizem-nos com indisfarçável orgulho.
No dia que por lá passámos assistimos ao recolher da criançada vestida a rigor para irem à escola a Puno, ao acender do lume (sobre uma plataforma de palha, sic!) para a cozedura em panelas de barro das refeições do dia, à moagem de cereais, transformados em farinha esmagado por uma pedra (para turista ver, deduzo!), à confecção de roupas e outras actividades inerentes à vida diária de quem sobrevive nestas micro-ilhas feitas basicamente de palha.
Todo o chão da ilha é feito de totora, mas mais abaixo existe toda uma placa compactada de uns dois metros do mesmo material que consolida esse mesmo espaço conquistado ao lago.
Acima deste “chão” é então construída mais uma elevação compacta de cerca de 50 centímetros onde são assentes as cabanas onde esta comunidade vive. São habitáculos rudimentares, como rudimentar sempre foi a sua vida. Mais uma vez a totora é o material predominante na construção destas necessidades básicas.
Quem diz cabanas diz barcos e, mais uma vez, a palha de totora servindo de matéria prima para quase tudo na vida, mesmo para construir barcos que levam mais de dez pessoas e circulam de ilha para ilha.
As plataformas estão hoje fixas com uma âncora em cada extremidade, mas tempos houve em que não era assim e, muitas vezes, ilhas peruanas acabavam por aparecer na Bolívia, ou vice-versa, o que causava alguns atritos regionais que os Uros não entendiam. Afinal, a sua pátria era o lago e o lago não tinha fronteiras.
Com a chegada do turismo, terão abandonado o sistema de trocas de que dependiam, melhorando de alguma maneira o seu modo de vida, integrando-se nas sociedades dos países por que optaram, mas mantendo-se fiéis à sua imagem de marca. Continuando a viver nas ilhas. Perfilhando da mesma organização social. Orgulhando-se da sua ascendência multi-secular. Enfim… Fazendo da sua diferença um enorme atractivo para quem os visita, como foi o nosso caso.

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