Quero começar esta crónica com uma declaração de interesses.
Tenho 65 anos. Logo, segundo os padrões ocidentais… um velho!
Um velho chato, incómodo e descartável, segundo a mesma bitola.
Se tivesse nascido e vivido noutras latitudes, porventura seria respeitado, quiçá admirado e o meu percurso de vida (e o de outros da mesma geração) um manancial de ensinamentos para os que nos sucedem.
Mas não! Aqui tratam-se os velhos (agora chamam-lhes cinicamente de séniores!), como um incómodo para a sociedade, um empecilho para as famílias e, em muitos casos, nem mesmo aqueles que lhes devem a existência os acarinham.
Comecei com este intróito para vos dizer que vivemos no “olho do furacão” da mais fantástica revolução que o ser humano alguma vez vivenciou.
Dizem os entendidos que a humanidade evoluiu mais nos últimos 20 anos do que desde a invenção da imprensa por Guttenberg (1430) até ao ano 2000.
Bem, não irei tão longe! Quero apenas reportar-me ao meu tempo de vida.
Quando nasci em 1956, em Entradas, Castro Verde, vivíamos numa época pouco mais que medieval.
A casa onde a minha família vivia não tinha chão. Sim, não tinha chão! Bem… chão tinha, mas era de terra batida. E por falar em terra batida, era com esse efémero material que se construíam as casas. A taipa, que dava corpo às paredes, não passava disso mesmo, de terra batida.
O telhado era de telha vã, assim como as nossas esperanças. E o dinheiro, esse raro metal, não chegava à carteira dos pobres. Qual carteira! Acomodavam-se as poucas moedas com um nó na ponta do lenço, adereço indispensável à indumentária do pobre, que lhe servia tanto para guardar o vil metal como o esverdeado ranho.
A eletricidade era uma miragem, portanto a iluminação fazia-se a petróleo e a água era carregada a cântaro, à cabeça e ao quadril desde o poço mais próximo, que às vezes de próximo não tinha nada.
Os automóveis, que nas cidades grandes já causavam filas intermináveis, por ali ainda se saía à rua para ver passar esse ocasional símbolo do progresso.
Aí pelo dealbar dos anos 60, lá na minha terra havia uns três ou quatro destes veículos, o que lhes conferia esse bruá de espanto sempre que nos passavam à porta.
E eu, não sei se era por ser pequeno, se porque o que sentia era verdade, mas era feliz com estas descobertas!
Faço este exercício porque o vivi. Porque o senti. Porque o carrego na memória.
Passaram-se pouco mais de 50 anos e, neste curto espaço de tempo, a Humanidade transformou-se de tal modo que esta coisa de acompanhar o progresso se tornou uma missão quase impossível.
Vivemos hoje a época das “aplicações electrónicas”; as famosas apps. Existem para todos os gostos e feitios. Para nos ajudar ou complicar a vida, segundo as perspetivas de uns ou de outros. E até já existem para nos presentear com a imortalidade. Reparem só onde isto já foi parar!
Sim! Existe uma aplicação recolhe toda a nossa informação, os nossos gostos, personalidade, estilo de escrita, trejeitos, erros comuns e por aí fora. E quando partirmos fisicamente, os nossos mais próximos poderão interagir connosco, sabendo que vão obter uma resposta que identificarão como nossa.
Até a célebre frase: Que Descanse Em Paz vai deixar de fazer sentido. Se com ela falamos do afamado Eterno Descanso, eu, no lugar do morto, ficaria de sobreaviso, porque descansar vai passar a ser matéria fora de questão.
Quão admirável é este Novo Mundo Novo!
Termino com um excerto do glorioso poema de Almada Negreiros, “A Cena do Ódio”, de que me lembrei agora e que vem mesmo “a matar” para dar fim a esta crónica.
“Tu, qu’inventaste a chatice e o balão, e que farto de te chateares no chão te foste chatear no ar, e qu’inda foste inventar submarinos para te chateares também por debaixo d’água. Tu, que tens a mania das Invenções e das Descobertas e que nunca descobriste que eras bruto, e a este progresso chamas: Civilização!”

LIVRE contra prospeção mineira no concelho de Moura
O Núcleo Territorial Interdistrital do Alentejo do LIVRE manifestou a sua “forte oposição” às iniciativas de prospeção de minérios que decorre na região, uma das