Quando era menino, haveria na minha terra uma meia dúzia de automóveis, todos grandes e pretos, que cujos proprietários para arrancar o motor faziam girar uma manivela na dianteira do carro, mas quando a coisa não corria bem à primeira suavam as estopinhas para o fazer pegar, o que era sempre motivo de chalaça para quem presenciava tal espectáculo.
Este não era o meio de transporte mais popular. Carros de bestas e bicicletas eram o meio de locomoção mais utilizada pela generalidade da população.
Ainda me lembro do dia em que meu pai entrou em casa com a nova bicicleta adquirida a prestações em loja da especialidade em Castro Verde.
Era uma “ pasteleira” equipada com selim de molas, malinha de ferramentas em cabedal, guarda lamas, bomba de ar, campainha e luzes traseira e dianteira accionadas à força de pedal através de dínamo.
Como bicicletas para criança não existiam, os fedelhos da minha idade aprendiam a andar nas ditas enfiando parte do corpo dentro do quadro e assim, numa rara forma de equilíbrio e após um sem número de quedas, lá começavam a dar as primeiras pedaladas.
Vistos de frente e ao longe, apareciam no cimo da rua compondo um estranho V formado por dois corpos estranhamente entrelaçados que formavam uma figura assaz invulgar.
Os mais afoitos já se aventuravam fora da vila e até faziam corridas na “estrada nova” que é hoje um caminho agrícola, mas que os da minha idade assim continuam a chamar.
Depois roubaram-me ao Alentejo e fiquei sem bicicleta que por sinal foi coisa que nunca possuí até á idade adulta.
Nos verões da minha existência suburbana lisboeta, acompanhava-se via rádio a Volta a Portugal em Bicicleta. O relato apaixonado do comentador transmitia-nos a imagem sonora do que estava a acontecer e claro que a narração da subida da Serra da Estrela era altura para o país praticamente parar e escutar as façanhas de nomes como Leonel Miranda, Joaquim Andrade, Fernando Mendes, os irmãos Corvo, entre outros, e um pouco mais tarde o fabuloso Agostinho.
As nossas brincadeiras de então eram essencialmente tentativas de reprodução daquilo que vivíamos. No tempo do futebol jogávamos à bola, no do hóquei arranjávamos uns setiques improvisados e uma bola de trapos de menor dimensão e lá jogávamos hóquei em patins, mas sem patins – não confundir com hóquei em campo – e no tempo do ciclismo corríamos de bicicleta, mas sem bicicleta! A fórmula que encontrávamos era construir em arame guiadores de bicicleta de corrida – com travões e tudo – e desatávamos a correr com o tal objecto nas mãos, sem nunca esquecer de construir no mesmo material o respectivo capacete para dar mais realismo à coisa, sendo que às vezes este se transformava em coroa de espinhos, aquando das inevitáveis quedas do pelotão.
Tínhamos contra-relógio, prémio de montanha, etapas e prémio para o vencedor da volta ao bairro, que era invariavelmente um pacote de bolacha baunilha e uma laranjada Cirel, prémio este patrocinado por algum adulto ou surripiado por um de nós na mercearia mais próxima.
Com o passar dos anos, passei a ir anualmente assistir à famosa subida da Carriche, ladeira que dá entrada em Lisboa e que geralmente só os mais fortes e preparados tinham coragem para nela sozinhos se afoitarem. De ouvido no transístor de algum adulto, impunha-se a pergunta sacramental: “Quem é que anda fugido?”
Emocionava-me o facto de um ciclista se isolar ao pelotão e tentar a sua sorte, tendo em vista uma chegada solitária bem como os efémeros momentos vividos na glória do instante na consagração da meta.
Noutros anos, “pendurava-me” nalgum adulto e pedia-lhe que me levasse com ele a Alvalade, esse Estádio mítico equipado com velódromo, no qual durante anos a fio terminava a Volta a Portugal. Após a chegada de todos os ciclistas, havia a inevitável invasão de pista e confraternização com os semideuses do pedal.
Numa dessas chegadas, munido de papel e caneta, decidi pedir um autógrafo a um desses heróis de que não recordo o nome. Passou-me a mão pela cabeça e disse: “Eu dava-to, mas infelizmente não sei escrever!”
Continuei durante todos os restantes anos da minha vida a acompanhar esta mítica prova, renovada a cada ano por novos ases do pedal, até que no ano do meu cinquentenário, decidi sentir na pele o esforço que é percorrer no selim duma bicicleta – na mesma altura em que decorria a lendária prova – ao aventurar-me numa volta solitária de cerca de mil quilómetros que está relatada pormenorizadamente no blogue pulanito.blogspot.com.

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