Ler os tempos

Quinta-feira, 17 Setembro, 2020

Mário Simões

Realizou-se no passado dia 16 de Novembro, em Beja, no âmbito da revisão do programa do Partido Social Democrata, uma iniciativa da Distrital do PSD subordinada ao tema “ Aperfeiçoamento do Sistema Político”.
Neste fórum de debate, de entre as várias conclusões, sobressaíram algumas que merecem particular destaque.
“O poder político já não é o primeiro poder”;
“Perante as rupturas há um sentimento de medo, mas também de esperança”;
“A sociedade civil deve criar novas formas de intervenção política”;
“A democratização dos poderes leva também à ocultação desses poderes”;
De facto, os poderes emergentes, com particular relevo para os media, mas também a universidade e os grandes grupos económicos (entenda-se “financeiros”), constituem fontes de pressão política, e mais do que contra-poderes, são hoje verdadeiros pilares do edifício democrático do Estado.
Já em 1974, Francisco Sá Carneiro, no programa político do PPD, propunha a construção de uma democracia política, económica, social e cultural, considerando a pessoa humana como fundamento de toda a ordem jurídica e que o Estado está ao serviço da pessoa e não a pessoa ao serviço do Estado.
Mais tarde, escreveu “que a Constituição não deve ser dogmática, deve ser a mais aberta possível, defendendo a pessoa e promovendo os direitos económicos e sociais. Deve permitir a liberdade política e não deve durar indefinidamente”. Por isso, Sá Carneiro em 1979, propôs uma revisão constitucional a que chamou “Constituição para os anos 80”.
Ora, chegados ao dia de hoje, debater o, “Aperfeiçoamento do Sistema Político” ganha relevo acrescido. Não só porque o caminho percorrido até aqui ficou aquém do que seria desejável, mas também porque a globalização nos trouxe uma nova realidade: a necessidade de substituir os “velhos poderes pelos poderes emergentes”.
Acresce que, a imperfeição do nosso sistema político é cada vez mais notória na forma como o cidadão olha para os políticos, cada vez com menos confiança, cada vez mais afastados da participação cívica e de cidadania. Mas também os tribunais e a justiça estão cada vez mais desacreditados.
Se atentarmos nos estudos de opinião sobre a confiança que os cidadãos depositam nos órgãos de Estado, só o Presidente da República merece nota positiva. Quererá isto significar, que devemos evoluir para um regime Presidencialista? Ou parlamentarista? Penso que não. Mas devemos, isso sim, reforçar os poderes do Presidente, no actual quadro jurídico-constitucional, ou seja, deverão ser introduzidas normas que permitam dar resposta a situações de crise.
Recordo, na história recente, os limites impostos ao chefe do Estado no que se refere aos períodos fixados em que lhe está vedada a dissolução da Assembleia e a convocação de eleições.
Mas outras questões devem ser, também, debatidas e merecem interrogações:
A descredibilização da política e dos políticos, ou quando menos, a desconfiança com que são olhados pelo povo, não poderá, entre outras formas, ser combatida também pela responsabilização, pessoal e directa, resultante da criação de círculos uninominais? Não será este o meio de os deputados serem vistos e definitivamente aceites como representantes do eleitor e não do partido a que pertencem?
Por outro lado, o número de deputados não deveria ser eventualmente reduzido, ou haverá justificação e necessidade de manter o actual mapa e número?
No que tange ao poder autárquico, não será pertinente, atenta a necessidade de acrescida eficácia a conferir às autarquias, instituir o princípio dos executivos de maioria de um só partido, ou movimento de cidadãos, sendo o presidente da Câmara o primeiro eleito da Assembleia Municipal e escolher da sua lista a maioria dos vereadores?
E a “autarquia das autarquias”, refiro-me, obviamente, às regiões, não representa a sua institucionalização a expressão mais acabada e profícua da defesa do princípio da subsidiariedade?
Aqui ficam algumas interrogações para reflexão, com uma certeza: a Constituição deve ser o espelho do tempo, do seu tempo. E os políticos devem, aprendendo com Sá Carneiro, saber ler o tempo, operar em consequência as rupturas e saber dar em cada época a resposta adequada para a solução das necessidades colectivas. É isto que se exige a todos!

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