A imagem que ilustra esta crónica mostra a Praça da República, em Beja.
Parece ser uma praça qualquer, à noite, de madrugada adiantada, deserta, com uma iluminação híbrida – o moderno a subalternizar-se ao antigo – e um arvoredo sem sombras e sem uso. É uma imagem desfocada, eu sei. Mas ela representa, em pleno, o estado a que deixaram chegar uma cidade.
Numa noite de Agosto – era uma quinta-feira – pelas 9 da noite, os fantasmas que habitualmente, e em pleno sol, povoam e atravessam o local, deram lugar ao vazio, ao deserto sem oásis, a um sítio sem gente e sem alma.
Por ali poderiam andar, naquela noite de Verão, os arquitectos da morte e do abandono, de mão dada com os escribas da certidão de óbito de uma cidade. Porém, até esses se refugiam noutros locais, vizinhos, nas aldeias e vilas onde vão desembocar as ruas e estradas que, invariavelmente, levam os incautos e também alguns prevenidos a sair da cidade.
É verdade. As ruas da urbe convergem para os sinais que nos indicam a saída, que para uns é voluntária, para outros uma fatalidade.
A Praça – esta Praça – já não é da República, das res publica, já não é dos cidadãos, dos seus bejenses. Esta Praça é um ponto final.
Pessimista? Não!
Atente-se ao que foram as noites de Verão de uma cidade que se diz capital e que esperneia e protesta pela perda de centralidade. Onde deveria haver esplanadas e animação, onde se deveria assistir à arte dos espectáculos de rua, onde e quando tudo convidava a vir para a rua, a cidade trancou-se no ar condicionado dos lares, no conforto do zapping televisivo, na frescura dos terraços e espaços livres de outras urbes. A cidade fugiu, deixando para trás e ao abandono a Praça, as ruas e um centro mais deserto.
Nesta Praça, a da República, a quem lavaram a cara e poliram o solo, as ideias refugiam-se em cadernos de encargos, em orçamentos rectificativos, em finanças de propaganda, em articulações e verdades ocultas, em vigilâncias encobertas, em purificações estranhas e em deslumbramento de poderes assessorados.
É nesta Praça, a da República, que o governo da cidade nos esquarteja o futuro e que meticulosamente nos indica os caminhos da sinalização de trânsito. Que, constantemente, nos apontam a saída, a porta da rua. É ali que as ideias, também elas, fugiram para longe, substituídas agora pela palavra promessa, pelo jargão da gestão participada, pela astúcia da culpa alheia na obra que não aparece.
Desta Praça, em Beja, transpiram odores de incapacidade em olhar, ver e compreender o que reserva a todos aqueles que perderem o lugar numa carruagem do comboio do futuro, este também em fuga para outras estações, transformando a sua cegueira e intolerância num apeadeiro sem pessoas, sem obras, sem vida.
Esta Praça, outrora da cidade, é agora um reflexo. De quem nela tomou assento para dali falar em nome daqueles e para aqueles a quem indica o percurso da partida.
Porém, os caminhos de regresso, aqueles que levem a uma nova Praça, a uma cidade ressuscitada, são possíveis. Para tal é preciso que se unam aqueles que lutam contra uma Beja moribunda, para isso é necessário fazer desaparecer as fronteiras dos bairros onde estão refugiados os que desejam inverter este caminho para o abandono.
E porque há quem ache que as metáforas levam à indefinição, e porque gosto de escrever claro, direi tão só que essa conjugação de forças e esforços é possível.
Haja vontade política de quem hoje faz oposição aos desgovernos deste burgo e encontraremos um novo rumo para a cidade e para a região.
Amanhã poderá ser tarde e também nós seremos culpados pelo êxodo. Todos nós seremos culpados.
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