Mal foi anunciada a intenção de ser proposta uma candidatura do cante a Património da Humanidade, embandeirámos em arco com essa perspectiva e em resultado de uma convergência de propósitos dos grupos do Facebook, “Alentejo – Terra e Gente” e “ Alentejanos no Facebook”, redigimos e divulgámos o seguinte manifesto que foi apresentado sob a forma de petição pública, a subscrever on-line na Internet:
– “O cante alentejano é uma forma de expressão vocal, arreigada na nossa memória colectiva e tradicionalmente interpretada pelos habitantes de uma grande parte do imenso Alentejo, cuja melodia, forma e regras têm vindo a ser cautelosamente respeitadas e transmitidas de geração em geração.
– Guarda-se, por isso, activa e incólume, essa forma de cantar que impregna, como sua parte integrante e indissociável, o imaginário e o ser espiritual do povo alentejano. Na sua terra ou desterrados algures no mundo, os alentejanos revêem-se sentimentalmente nas suas modas e por isso, as cantam com paixão, quer na envolvência descontraída de um convívio, quer no aprumo dos grupos corais, onde desde há muito se organizam, para cultivarem esta essência da sua tradição.
– Por insistência da MODA – Associação do Cante Alentejano, a quase totalidade dos concelhos do Alentejo e mais alguns da área da Grande Lisboa, classificaram o cante como seu património e iniciaram também acções de apoio ao seu ensino junto das escolas do ensino básico, buscando-se futuro para esta nossa herança do passado.
– Apesar da continuada aculturação de que somos alvo e do sistemático aviltamento das nossas raízes que desde há décadas nos mina a identidade cultural, o cante alentejano tem resistido ao seu tendencial apagamento e continua, apesar das múltiplas dificuldades, a impor-se, determinando o continuado aparecimento de novos grupos corais, em particular os femininos, que em si mesmos, constituem um inegável e determinante factor de coesão social e cultural para as gentes transtaganas.
– Neste contexto, porque o cante alentejano constitui uma preciosa expressão de sentimento, alma e vida do nosso povo, cuja perda seria irreparável para nós e empobrecedora para toda a humanidade, vimos manifestar o nosso apoio à candidatura do cante alentejano como Património Imaterial da Humanidade, de cuja aprovação resultará um justo reconhecimento por parte da Unesco da grande valia etno-musical da moda, um novo alento para os actuais e futuros intérpretes, assim como a garantia da necessária salvaguarda deste património de valor inestimável”.
Assim foi divulgada a nossa petição e neste preciso momento nela contabilizamos 1.813 assinaturas virtuais, de outros tantos alentejanos reais ou de amigos do cante que desta forma quiseram expressar o seu apego às raízes ou pretenderam demonstrar o seu desejo de verem a moda dignificada no presente e salvaguardada no futuro.
Ora, se esta forma de intervenção nos pareceu correcta para acarinhar a ideia, incentivando e criando uma base cultural de apoio essencial ao bom desenvolvimento da candidatura, não nos parece correcto que a organização tenha, por sua vez, adoptado esta metodologia do “abaixo assinado”, como meio único para edificar um projecto de tamanha complexidade.
Mas assim foi.
Porque não tem vagar nem vontade de fazer diferente, às autarquias, aos grupos corais e aos outros agentes locais do cante alentejano, a comissão executiva nada mais pede do que uma assinatura de compromisso.
Não lhes sugere reuniões locais de trabalho, nem lhes são pedidas ideias ou contributos.
Partindo do princípio de que “quem paga é que manda”, excluiu da área de influência e intervenção, todas as forças vivas ligadas ao cante, remetendo-as ao papel de meras observadoras e apoiantes, aniquilando, por isso, obviamente, o desejável sentimento de pertença do projecto. Por esta razão, nenhum outro concelho, além do de Serpa, se pode identificar de uma forma activa e envolvente com esta candidatura, à qual não foi chamado de pleno direito e onde não teve hipótese de pregar nem prego nem estopa.
Por outro lado, a pressa e a metodologia dos proponentes esvaziou intencionalmente o necessário debate de ideias e circunscreveu a discussão pública sobre o tema a dois momentos de curta duração, inseridos nas apresentações da candidatura ocorridas em Lisboa e em Serpa.
Em resultado, em vez de ser proposto à Unesco um “plano de salvaguarda” do cante que seja o repositório de experiências e de saberes, aqui ao longo de vidas forjados, tecido pelos compromissos, garantias e vontades assumidos pelos nossos autarcas e corais, vamos entregar uma pasta cheia de escritos, nos quais os verdadeiros interessados não escreveram uma linha.
Em suma, na óptica da organização, o envolvimento das comunidades e das entidades ligadas à moda, com o processo de elaboração da candidatura, inicia-se e conclui-se com uma assinatura num impresso.
Deste jeito, importa reter que quando a organização anuncia contar com a participação de uma centena de autarquias, de umas dezenas de grupos corais e umas centenas de cantores, tal significa, tão só, que tem em mãos outros tantos papéis subscritos, mas que para além disso nada mais existe de palpável em termos de participação, de cumplicidade ou de débito de contributos, tendo em vista o futuro de cante.
E é por esta via que se caminha para a rápida entrega em Paris de uma candidatura que tendo embora como lema um desejo de nós todos, encerra dentro de si um vazio do tamanho do Alentejo.
Pagou-se um filme, encomendaram-se estudos e não se descurou o marketing.
Agendou-se uma data de entrega breve, calendarizaram-se manifestações de amiúde para o entretanto e daqui a algum tempo, lá para Novembro de 2013, veremos, então, se o cante alentejano foi, realmente, o beneficiário deste processo.

GBH e Onslaught no Mira Fest em Odemira
Os britânicos GBH e Onslaught, assim como os portugueses Mata Ratos e Corpus Christii, são algumas das bandas confirmadas na edição deste ano do Mira