Eu nasci em Viana do Castelo, onde miúdo assistia todos os anos à Romaria da Senhora da Agonia, que dizem ser a maior de Portugal. Lembro-me de ir com o meu avô ver as bandas musicais, que tocavam música clássica nos coretos e que o povo aplaudia freneticamente. “Esta música é de Bach”, que é o pai dos músicos, dizia-me o meu avô. Antes de regressar a casa, comprávamos melancias e melões, que eram vendidos no chão da feira, onde estavam as barracas dos brinquedos, os carrinhos de choque, as cestinhas, o carrossel e as barracas das farturas e da cidra. Lembro-me de ver todos os anos um carro de bombeiros na barraca dos brinquedos que custava 20 escudos e o meu pai não me podia dar, pois era o que podia gastar com os cinco filhos nos três dias das festas. E ainda havia a procissão ao mar, em que a imagem da Senhora da Agonia, padroeira dos pescadores, era levada todos os anos numa traineira diferente, seguida por todas as outras traineiras do porto de pesca. O cortejo etnográfico, a festa do traje, os fogos no ar e o fogo preso, com a cachoeira da ponte, onde a velha ponte Eiffel com a magia dos pirotécnicos locais parecia durante largos minutos deitar água prateada para o rio Lima. E durante os três dias das festas eram os cabeçudos que percorriam a cidade, acompanhados pelos grupos de bombos e Zés Pereiras, que davam um encanto único a Viana, com as concertinas a convidarem os populares a dançar o Vira nas ruas. Durante cerca de 20 anos assisti às Festas da Agonia, onde também compareciam milhares de emigrantes da França e Alemanha, que vinham rever as festas e a família. E mostrar as suas “voitures” francesas!
Depois fui estudar para Coimbra e vim trabalhar para este Alentejo, de que gosto, sendo hoje, pelo tempo, mais alentejano que minhoto. E durante perto de 30 anos deixei de ir às Festas, até que neste ano de 2010 deixei a proximidade das praias algarvias e resolvi matar saudades e voltar a ver as Festas da Agonia, que continuam a começar todos os dias com a alvorada dos Zés Pereiras, dos Cabeçudos e do barulho dos bombos num espectáculo ímpar.
No primeiro dia foi a procissão ao mar, que mostra a religiosidade dos pescadores na sua padroeira, apesar de todos os que já morreram durante a faina. As ruas da ribeira, por onde passa o andor da Senhora da Agonia quando regressa do mar, continuam atapetadas com flores, sal e motivos da devoção das gentes do mar. De resto, a parte pagã mantém os mesmos festejos e motivos para se visitar a cidade. Com novidades que tornam as festas mais vivas, como trazer blusas regionais de Viana, que são brancas com bordados azuis, vestidas por inúmeras mulheres jovens e não jovens, empregadas das lojas e cafés, etc. Também por toda a cidade se ouve, durante todo o dia, essa maravilhosa música da Amália, sobre poema de Pedro Homem de Melo: “Eu hei-de ir a Viana/ ó meu amor de algum dia/ se o meu amor não me engana/ como engana a fantasia/ eu hei-de ir a Viana/ ó meu amor de algum dia”. Pedro Homem de Melo, um poeta de Viana que residia em Afife, na sua casa de Cabanas, e que depois do 25 de Abril os reaccionários pseudo progressistas quiseram ligar ao passado do Estado Novo, como na Alemanha “post nazi”, os pseudo revolucionários da altura quiseram associar Wagner e a sua música ao partido de Hitler. Como a história nos ensina, esses badamecos revolucionários já lá foram e os belíssimos versos de Pedro Homem de Melo encantam hoje Viana e as festas, eternizados pela voz da Amália.
Também a arte dos pirotécnicos do Minho evoluiu. O fogo no ar é realmente um espanto! E por toda a cidade se continua a dançar o Vira, a Chula e a Gota, ao som de centenas de concertinas. A etnografia minhota é uma das mais ricas do país, na música, nas danças, nos trajes, nas filigranas e no ouro, em muitas outras coisas, mas, acima de tudo, na alegria das gentes, que no fim dos desfiles seguiam as bandas de música, cantando e dançando, num espectáculo que nos leva a sentir cá dentro um desejo enorme de que para o ano, mais uma vez, “havemos de ir a Viana/ó meu amor dalgum dia”.
Durante os dias das festas que vão até às tantas da noite, descansei da televisão e do país. E nem o Paulinho das Feiras se atreve a aparecer por lá, onde não seria tolerado a fazer o aproveitamento que faz doutras feiras. No regresso ao Alentejo, parei em Lisboa para jantar. Ligada a televisão, a abertura do Jornal da Noite da SIC mostrava a toda a largura do ecrã… “ÚLTIMA HORA”. Pensei nalgum terramoto algures ou na morte de alguém importante. Aguardei e lá veio a notícia. Júlio César ia defender a baliza do Benfica, num jogo de futebol nessa noite. Logo depois, o olhar “catedrático” do professor Jorge Jesus, a olhar para os seus “milhões de euros” de jogadores. Como procuro zelar pela minha saúde fiz zapping, mas na TVI lá estava o Paulinho na Feira de S. Mateus. Definitivamente, tinha regressado ao país real. Não havia nada a fazer. Regressar ao trabalho, lembrar em pensamento as gentes e as festas de Viana e procurar esquecer aquilo que vemos diariamente na TV. Como o final do processo Casa Pia, onde a seguir à leitura calma da sentença pela juíza Ana Peres, se seguiram todas as manifestações de má educação dos réus condenados e respectivos advogados, com insinuações gravíssimas à idoneidade moral e profissional do colectivo de juízes. Que seria deste país se nos outros milhares de julgamentos onde há condenados, estes pudessem vir à televisão disparar os seus baixos instintos. Mas, se calhar, esse acesso só é permitido a gente rica e poderosa, como em tantas coisas neste pobre país. Lamentável. Simplesmente lamentável.
E morreu o “Bom Gigante”, José Torres, velha glória do Benfica e da Selecção Nacional, que se notabilizou pelas suas qualidades futebolistas e humanas, autor do golo que deu a Portugal o terceiro lugar no Mundial de 1966. Apaixonado pela Columbofilia, morreu só e apoiado pela sua esposa, de doença de Alzheimer, esquecido pelo país a quem deu tantas alegrias. No dia do funeral, todos se voltaram a lembrar dele, até porque estava lá a televisão. E num jogo de futsal, quando se guardava um minuto de silêncio em sua memória, uma claque do Sporting constituída por jovens ordinários, como todas as claques, não respeitou o minuto de silêncio em memória do “Bom Gigante”. As autoridades do país e os presidentes dos clubes da bola não querem acabar com estes energúmenos, que se espancam e insultam mutuamente, e que para irem a cada jogo de futebol necessitam de escolta policial, paga por todos nós. Com transmissão televisiva.
José Torres era um Homem bom e íntegro, que envergou a camisola das quinas no tempo em que era uma honra para os futebolistas representar o país, e em que estes se não podiam negar à selecção quando eram chamados. Hoje qualquer pateta, desde os Figos aos Sabrosas, entende que já não estão disponíveis para jogar pelo seu país. Mercenários que são, só podem continuar a jogar e ganhar dinheiro em clubes estrangeiros, já que continuar a jogar pela selecção seria uma chatice e perda de prestígio!
Portugal continua assim. As romarias populares são o fim-de-semana de festa do povo que trabalha.
Os homens bons como José Torres pedem-nos para os deixarmos sonhar e a gente deixa-os morrer.
O resto dá na televisão. Todos os dias.

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O altar-mor da Igreja Matriz de Messejana, no concelho de Aljustrel, vai ser restaurado, num investimento avaliado em cerca de 75 mil euros e que