A primeira vez na neve

Napoleão Mira

Escritor

Quando fui aprender a esquiar há uns bons trinta anos não fazia a menor ideia do que me esperava.
Na verdade, era apenas um alentejano que nunca vira nevar, e neve, vira-a apenas duas ou três vezes na vida, aquando do mesmo número de ocasionais excursões à Serra da Estrela.
Mas há trinta anos, em Andorra, o manto branco cobria tudo o que a vista alcançava e, a bendita, alva e silenciosa neve, caía em flocos que persistiam em desmoronar-se em câmara lenta sobre o meu rosto, despertando-me para uma experiência até então desconhecida.
E foi assim, deslumbrado com este opíparo momento que fui aprender a esquiar.
Ainda na loja dos equipamentos, senti-me como um cavaleiro medieval prestes a partir para a batalha, tal a dificuldade de movimentos causada pela quantidade de roupas e apetrechos necessários à prática deste desporto; e ainda não tinha posto os pés em cima dos esquis!
A neve continuava a desprender-se dos céus como se não houvera amanhã. Eu, na minha inocência de iniciado, pouco me importava.
Cheguei ao local da aprendizagem mais morto que vivo. Carregar os esquis montanha acima com as pesadíssimas botas a enterrarem-se permanentemente na neve fofa não era pera doce. Eu, entusiasmado, pouco me importava. O que eu queria mesmo, era aprender a deslizar naqueles sapatos gigantes que, se colocados ao alto, quase tinham a minha altura.
Como fui o último a chegar, fui relegado para a ponta mais à direita da classe que estava disposta em fila perpendicular ao cume da montanha.
O monitor, ordenou-nos que colocássemos os esquis à nossa frente e que os calçássemos introduzindo primeiro a bota mais próxima do sopé e só depois a outra. Esta operação nem me correu mal; o pior foi no movimento seguinte. Desequilibrei-me e, como se os oito companheiros fossem peças de um imaginário dominó, atirei com todos ao chão. Risada geral e confusão instalada. A primeira queda estava dada e a neve continuava a cair cada vez com mais força regelando pés e mãos o que já não era uma sensação muito agradável.
As primeiras manobras que, consistiam em segurar-me em cima dos esquis numa ligeiríssima inclinação, até que correram bem. E a neve a verter dos céus como se o mundo fosse acabar.
Valério, um andorrano e nosso instrutor, estava apostado em que não saíssemos dali sem descer uma montanha a sério. Daí a submeter os mais destemidos a exercícios que só devíamos aprender muitas aulas depois, foi um ai que lhe deu! O frenesim da velocidade ia tomando conta de nós e, a cada descida conseguida com êxito, mais se aproximava a hora de descermos a tal montanha prometida.
E a neve a cair sem cessar. E eu a pensar que aquilo era sempre assim.
De manhã as aulas do Valério a puxar pelo cabedal. De tarde praticar sem cedências até que as pistas fechassem.
Lá para o quarta jornada de sofrimento aconteceu uma espécie de milagre. Ao acordar, olhei para o céu e a neve deixara de cair. Aquele céu de cinza prata uniforme que nos últimos dias não deixava ver um palmo à frente do nariz, transformara-se num azul celeste, o que fez com que finalmente visse os contornos das montanhas e o quão altas e vertiginosas se me afiguravam.
Valério, mesmo com a pouca técnica que possuíamos, fez questão de cumprir a sua promessa levando-nos para o alto de uma das montanhas. Ao avaliar a empreitada em que me metera, só me lembrava dos paraquedistas enviados borda fora do avião na sua primeira vez. O medo paralisava-me as pernas, mas ficar ali não era opção.
Após um sem número de quedas, de muito sofrimento para me recolocar em cima dos esquis lá lhe fui ganhando o jeito. Depois! Depois foi só usufruir do que aprendera, deixar-me ir montanha abaixo e desfrutar deste prazer que me acompanha há mais de 30 anos.

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