A condução na Índia

Quinta-feira, 8 Março, 2018

Napoleão Mira

empresário

Por certo que o nosso motorista Firoz é um excelente profissional com o traquejo que só os muitos anos de experiência podem oferecer. No entanto, isso não me desapoquenta. Sinto que já me devia ter habituado a esta estranha maneira de dirigir. Todavia, sempre que olho para a estrada e vejo vir na nossa direção um desses folclóricos camiões sem a menor intenção de desviar a trajetória que, por acaso, é a nossa faixa de rodagem, gela-se-me o sangue. Firoz, contudo, com a sua calma imperial, desvia-se mesmo na fração de segundo anterior ao desfecho que adivinho fatal. Devo confessar que este tipo de provação adrenalínica já a experimentei nesta viagem, em números que se poderiam contar às centenas.
Na cidade conduz-se por todo o lado, incluindo na estrada!
Se visto de cima, o emaranhado do trânsito de uma pequena ou grande cidade indiana parece conferir um excelente significado para a palavra caos.
Depois, os condutores ainda não descobriram uma coisa a que no ocidente se chama distância de segurança. Antes pelo contrário, conduzem milimetricamente colados, como nas corridas de Indianápolis, o que pode significar desastre ao mínimo deslize. Apesar de tudo, já por aqui andamos há vários dias e nem sombra de acidente.
Dizia-nos um outro motorista com quem contactámos no nosso primeiro dia em Nova Deli. Gabava-se, assim em estilo galhofeiro, que um motorista na Índia necessitava de três coisas: boa buzina, bons travões e bons reflexos. Eu acrescentar-lhe-ia um quarto predicado: boa sorte.
Falemos da buzina, esse apêndice que os indianos ganham à nascença.
Na Índia apenas se apita por duas razões: por tudo e por nada.
Um condutor na Índia, sem buzina, é um homem nu no seio da grei. Para além de se sentir só e desprotegido, é um homem à deriva nos abismos da existência.
Bem sei que utilizam o cláxon para anunciar a sua presença e, não fora a incomodativa poluição sonora, até me pareceria uma boa ideia. Acontece que há motoristas que colam o dedo na buzina pela manhã e só o largam ao deitar. Mesmo assim, não sei se lá na sua intimidade, com a patroa, não tenham outro tipo de campainhas, para anunciar o momento de estremecimento em que um homem se abandona para saborear a vida entre as pernas de uma mulher.
(Bem… por acaso, até os imagino a tocar uns pequenos guizos!)
Regressando ao trânsito e à temática das buzinas, há as de todas as tonalidades sonoras. Normalmente as motoretas têm um apito muito parecido. Um pi contínuo, fanhoso e sem graça. Já os automóveis se pautam por uma variedade sonora mais imponente. Vai desde a gaita de foles até ao ruído metálico de uma trompete desafinada, podendo mesmo chegar ao mugido de uma vaca. Se falarmos dos camiões, então aqui temos uma panóplia difícil de aqui traduzir por palavras. Há buzinas de camião que, para fazer jus à sua decoração, mais parecem sinfonias encomendadas a reputado compositor musical.

Crónica retirada do livro Olhares,
de Napoleão Mira, a publicar brevemente

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