A afabilidade nipónica

Quinta-feira, 6 Fevereiro, 2020

Napoleão Mira

empresário

À frequente pergunta sobre o que mais me surpreendeu por terras do sol nascente, respondo sem hesitar: as pessoas!
Na verdade, o Japão foi mais do que uma agradável surpresa. Foi sim a constatação daquilo que suspeitava. Um país modelar onde em pouco tempo muito aprendi, especialmente no que à civilidade diz respeito.
Tenho a memória carregada de exemplos com que vos poderia brindar. Com que vos poderia espantar. Com que vos abriria a mente e o apetite de conhecerem um país funcional. E que funciona a sério, sem pruídos nem alaridos.
Hoje fico-me pela genuína afabilidade da gente nipónica.
Chegados a Tóquio (cidade onde cabem quatro Portugais ou, se preferirem, 40 Lisboas!), uma pessoa, mesmo que não queira, sente-se minúscula e perdida.
À saída de uma estação de metro para procurar outra, lá estávamos nós: de mapa na mão, cada um dando a sua opinião. Nisto, somos abeirados por um simpático japonês, homem dos seus 60 anos e sorriso franco que, intrometendo-se na nossa conversa, perguntou se podia ajudar, num inglês com falta de “erres” próprio das gentes asiáticas.
Eles surpreendidos (eu desconfiado da fartura!), apontámos no mapa a estação ao amável nipónico que, fazendo sinal de que sabia bem onde era, em vez de nos indicar as direções, fez-nos sinal para o seguirmos.
Fomos atrás do homem em passo estugado, descendo escadas, percorrendo túneis, mudando direções, atravessando multidões até que, passados uns bons 10 a 15 minutos, chegámos a umas cancelas electrónicas. Era a nossa passagem para a outra margem. Ou seja: para a estação devida. Ensinou-nos a tirar os bilhetes nas máquinas electrónicas e, quando fazia menção de partir, perguntei-lhe se esta não era a sua direção. Riu-se e disse-me que não. Que a sua saída ficava lá onde nos encontrara. Sorriu, acenou e desejou-nos boa estadia no Japão. E eu fiquei pela primeira vez boquiaberto com a atitude desprendida deste afável japonês.
Cético como sou, atribuí à sorte aquele generoso contributo do esforçado niponense.
De entre dezenas de situações que podia aqui relatar, a esta junto mais três.
A segunda.
Abeirei-me de um orgulhoso funcionário do metro pedindo-lhe, delicadamente, o favor de me indicar certa direção. O homem, solícito e educado, num entendível inglês, apontou-me as coordenadas de como chegar onde pretendia. No final, perguntou-nos quantos éramos. Respondi que éramos quatro. Sacou da sua carteira e dela escolheu quatro origamis (guardo o meu religiosamente!), e disse-me que era um presente seu. Que era para nos dar sorte. Ainda fez questão de nos acompanhar até ao fundo das escadas para se certificar que tomávamos a direção certa naquela encruzilhada de túneis. De cada vez que olhava para trás lá estava ele. Qual guardião dos túneis sem fim, sorrindo e acenando até o perdermos de vista. E eu fiquei a pensar que isto já era mais que sorte. Era o esmero da educação.
A terceira.
Chegados a Kanazawa fomos despejados já noite cerrada na paragem por nós indicada ao motorista. Chovia e fazia um frio de rachar. Mais uma vez perdidos, resolvi interpelar uma jovem que recolhia a sua bicicleta para se fazer ao caminho.
Pedi-lhe indicações do hotel onde iriamos pernoitar. Sacou do seu smartphone, verificou o caminho e perguntou num inglês perfeito (reparem!): “Não se importam de me acompanhar?”
Voltou a colocar o cadeado na bicicleta que trocou pelo guarda-chuva e lá fomos por ruas, becos e travessas atrás da moça que nos conduziu até ao nosso local de pernoita. Despediu-se toda sorridente, assim como que se a sorte de nos encontrar e poder ajudar tivesse sido sua.
E eu, já sem queixo para segurar, despedi-me com a certeza de que estava na presença do povo mais prestável com que, até agora, me cruzara.
A quarta.
Entrámos num 7/11, uma dessas lojas de ocasião, para beber um café e nos aquecermos, pois fazia um daqueles frios que nem vos conto nem vos digo.
Nevara mesmo na noite anterior. Perguntámos à senhora da caixa onde era o castelo que pretendíamos visitar.
Esta, curiosamente, nem inglês arranhava e, de sorriso escancarado e a palma da mão em sinal de espera disse: “Moment”.
Foi lá dentro e nós ficamos a pensar que teria ido à procura de alguém com quem pudéssemos comunicar.
Nisto, vemo-la chegar, com o mesmo sorriso, mas desta feita munida de casaco e guarda-chuva e o sinal de que devíamos ir atrás dela.
Mudos de espanto, fomos atrás da mulher que insistia em falar japonês com a Natália que apenas sorria e acenava que sim com a cabeça.
Passados uns bons 10 minutos chegamos a uma avenida larga, lá ao fundo os telhados do castelo e a boa da moça toda contente por nos haver ajudado.
Isto depois de largar o seu trabalho, apanhar um frio quase glaciar e uma molha daquelas tocadas a vento.
Fico agradecido de ter recebido desta gente estas e outras lições de humildade, de generosidade ou de civilidade que tudo farei por preservar.
Fico grato de as ter vivido para as poder partilhar.

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