No dia 25 Abril de 1974, quinta-feira, o céu estava pouco nublado, o vento era fraco ou moderado de noroeste, eu vivia em Castro Verde, tinha nove anos e andava na 4ª classe.
Foi uma manhã como as outras, ter-me-ei levantado um pouco depois das oito, não tenho dúvidas de que abracei o perdigueiro Piruças, o meu primeiro amor canino, de certeza que bebi café com leite, talvez tenha comido meia sandes de fiambre, tudo à pressa que era preciso correr até à escola e dar antes uns pontapés na bola ou jogar ao berlinde com três covas antes de começarmos as lições.
Os meus tios não ouviam rádio de manhã e portanto ninguém lá em casa ficou a saber que havia uma revolução. E mesmo que tivessem ouvido, o meu tio não teria deixado de ir para a oficina e a minha tia teria feito as camas e teria ido ao pão.
Nessa manhã, horas depois da madrugada esperada pela poetisa, nós jogámos mais do que o costume. Eram já dez e meia quando o professor nos mandou entrar.
O meu professor chamava-se Serrano e eu gostava muito dele. Nesse dia eu ainda não sabia que gostava assim tanto dele, foi o futuro que me disse que ele foi um dos homens mais importantes da minha vida.
Entrámos para a sala da quarta classe, só rapazes, claro, e quando já estávamos sentados de frente para o crucifixo, para o mapa de Portugal e para a fotografia do Marcelo Caetano, o professor da terceira classe mais a terceira classe em peso entraram na nossa sala. Algo de absolutamente estranho se passava. O professor Serrano, de quem eu gostava muito, e de quem fiquei a gostar para sempre, e o professor de quem eu não gostava, ainda sem saber que o odiava tanto, falavam sobre coisas de que nós nunca tínhamos ouvido falar. Só sabíamos que era em Lisboa. Mas não fazia mal, assim não estávamos a fazer nenhum ditado, ou uma redacção, ou a aprender aritmética.
De repente, lá do fundo da sala, talvez emergindo da noite e do silêncio e livre a habitar a substância do tempo, o meu bom amigo Marinho Pintor, que sabia fazer fintas maravilhosas com a bola, talvez por ter já ouvido algum zunzum lá em casa, disse que o Marcelo Caetano estava lixado. O professor de quem eu não gostava, e fiquei a odiar para sempre, dirigiu-se ao Marinho Pintor, levantou a mão gorda e deu-lhe uma chapada tão forte que lhe rebentou o lábio.
Na nossa sala, derramou-se sangue em nome da liberdade. O Marinho Pintor, de quem nenhum político fala, foi o nosso herói, o nosso capitão de Abril. Se eu pudesse punha-o nos compêndios de História.
O professor Serrano disse ao outro professor para ter calma, mas o professor, com sangue do Marinho Pintor na mão gorda, não teve calma.
A terceira classe ficou sem professor. O professor Serrano não nos deixou.
Os dias seguintes foram todos inteiros e limpos. Uma gaivota voava, voava, asas de vento, coração de mar, como ela, somos livres, somos livres de voar.
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