Foi em 1989 que a “roda de amigos” se juntou pela primeira vez em torno da cultura e das tradições locais das terras do Campo Branco. Aos poucos os serões de quinta-feira começaram ser preenchidos por modas, mas também pelos acordes da viola campaniça, pelos versos desafiantes do cante ao despique e baldão, pela melodia das concertinas ou pelas rimas de poetas populares. Tudo no “éter” da Rádio Castrense (Castro Verde) e transmitido para milhares de pessoas: primeiro apenas na região, agora para todo o mundo. Assim se construiu a história do “Património”, um dos mais antigos programas de rádio do país e que celebra 30 anos de vida em prol do que é mais genuíno no Alentejo.
“O ‘sucesso’ do programa, que os próprios ouvintes se habituaram a chamar de ‘a grande roda de amigos’, teve a ver, do meu ponto de vista, com a sua natureza e forma. Um espaço, onde durante horas, se voltava a falar e a ouvirem sons de tradições já esquecidas”, reconhece ao “CA” José Francisco Colaço Guerreiro, que os ouvintes tratam carinhosamente por “Senhor Doutor” e que é o autor de todos os programas “Património” emitidos ao longo destas três décadas.
Para Colaço Guerreiro, estes 30 anos de “Património” são, sobretudo, sinónimo “da clarividência tida, no momento da abertura da Rádio Castrense, para se poder aproveitar a potencialidade de comunicação criada, no sentido de divulgar, enaltecer e salvaguardar o nosso património imaterial”. “Deste propósito derivou o próprio nome do programa, que desde logo idealizámos e começámos a realizar, com todo o afinco, na certeza de assim irmos colaborar para o fortalecimento da nossa identidade cultural”, reforça.
Segundo o autor, o programa “Património” começou então “a investigar, tratar e divulgar os nossos valores culturais mais autênticos e a enaltecer a nossa forma de ser e de estar, no sentido de passarmos a gostar cada vez mais daquilo que é nosso, ao invés do que era a prática corrente, iniciando um percurso de constante remar contra a maré”.
Os primeiros tempos, recorda, eram bastante distintos dos actuais. “Numa primeira fase, e porque os nossos estúdios, precários e improvisados, não permitiam a presença de convidados, andava de monte em monte, de lugar em lugar, de gravador ligado à procura de gente sabedora de histórias, adivinhações, poesias, cantos e cantes, toques de instrumentos vários e outros modos culturais já perdidos do presente”, lembra.
Foi assim que o “Património” (e Colaço Guerreiro) resgataram do esquecimento os cantos ao baldão e ao despique e “descobriram” os tocadores de viola campaniça Francisco António e Manuel Bento. “Logo depois, dentro do âmbito das actividades da Cortiçol, com eles devolvemos a vida à viola campaniça e ao canto a ela associado”, nota.
Enquanto o tempo seguia o seu curso, o programa foi ganhando “corpo” (e ouvintes). As emissões do “Património” também passaram a ser em directo e com a participação do público.
“Esse foi outro marco decisivo na vida do programa, pois para além da dinamização cultural, passámos e propiciar relações de afectividade e sentimentos de auto-estima aos nossos ouvintes, que das brenhas mais recônditas e da maior solidão, entravam semanalmente com a maior dignidade e merecimento no ‘palco’ da rádio. Passaram a intervir, a cantar, a tocar, a falar simplesmente de si, do tempo ou da vida. Fizeram-se amizades radiofónicas e estabeleceram-se laços de simpatia, somente por efeito do timbre da voz e do teor das conversas”, recorda Colaço Guerreiro, para logo acrescentar: “Tem sido esta rede de valores e de afectos que tem garantido a continuidade do ‘Património’ com uma vitalidade constante”.
Hoje o “Património” é completamente diferente do que era há 30 anos, ainda que mantendo a sua genuinidade. Por lá continuam a passar cantadores, tocadores e poetas, mas emissões já são também transmitidas pelo Facebook, com todo o mundo a poder ver em directo aqueles que passam pelo estúdio da Castrense. Quanto ao futuro, os desafios são mais que muitos!
“O grande desafio que temos é conseguirmos ser mentores e animadores de um programa que, sendo popular, não queremos que seja popularucho. Não podemos deixar de afinar o nosso critério pela matriz do rigor e da verdade da nossa etnomusicologia, por exemplo, fazendo sempre a destrinça entre aquilo que é a genuinidade do cante e o que são os novos cantares”, observa Colaço Guerreiro, que conclui: “Diria que o nosso empobrecimento cultural é o maior adversário da diversidade e qualidade dos programas vindouros e isso preocupa-nos”.
Os 30 anos do programa “Património” são assinalados a partir das 15h00 deste domingo, 15, na Escola Secundária de Castro Verde, com uma festa com entradas livres e onde não faltará animação e cultura popular.
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