No caminho que me traz de casa ao trabalho ouço numa rubrica radiofónica de escuta diária que, um padre italiano, também ele radialista, terá concluído que os últimos terramotos ocorridos em Itália, que devastaram localidades e ceifaram centenas de vidas inocentes se deveram, nem mais nem menos, a um castigo divino. Assim mesmo… Sem tirar nem pôr!
Na opinião deste representante de Deus na terra, tratar-se-ia de uma retaliação divina contra a promulgação da lei que permite legalizar as uniões de facto entre duas pessoas do mesmo sexo, norma essa há muito banalizada e aplicada mundo fora.
É quando ouço alarvidades destas que dou graças a Deus por ser ateu!
Nada me move contra os crentes, tenho-lhes mesmo alguma inveja por conseguirem acreditar em certas teorias atribuídas (na falta de melhor explicação!) à divina providência.
Nutro mesmo alguma raiva para com a minha inteligência por esta não me permitir encontrar lógica alguma em tão despudoradas afirmações.
Lembro-me que aqui há tempos houve um acidente aéreo de enormes e graves proporções.
Nesse aziago acontecimento, morreram mais de 200 passageiros mas, pasme-se, no meio de todos os destroços do aparelho ouviu-se o choro de uma criança, resultando esta no único sobrevivente de tão nefasto desastre.
Recordo-me que também aqui a salvação deste bebé foi imputada à intervenção divina.
“MILAGRE!” Foi o comentário que mais ouvi nos que ao meu redor alvitravam da razão deste insólito acontecimento.
Também fiquei satisfeito e até comovido com tão inusitado salvamento, mas dei por mim a pensar nas mais de duzentas almas que Deus reclamou por antecipação, pouco se importando com a falta que faziam por cá.
Enquanto uns reforçavam a sua crença por via do milagre atribuído, eu fortalecia a minha convicção que esta divindade, que deveria de ser perfeita em todos os sentidos, se comportava afinal como um implacável ditador.
Dizem-me que os mistérios Dele são insondáveis. Que Lhe devemos de ser tementes e que Este chama para perto de si antes do tempo aqueles que mais ama, que está em todo o lado e, quiçá, até a ler esta crónica antes dos meus leitores.
Compreendo que num tempo obscurantista estas explicações pudessem surtir efeito. Mas nos tempos que correm, onde a ciência opera mais milagres por dia que a igreja por século. Onde cada vez menos, as explicações da igreja (veja-se os milagres e segredos de Fátima!) encaixam na lógica da bota versus perdigota, eu Dou-lhe graças por me ter feito ateu.
PS: Se este texto tivesse sido escrito no tempo da inquisição, amanhã seria queimado vivo numa fogueira.
PS1: Não o serei. Estou no entanto convicto que serei dardejado por olhares inquisidores daqueles que me rodeiam e que não perfilham as minhas ideias. Temos pena!