Rupturas ou acidentes?

Quinta-feira, 22 Janeiro, 2015

D. António Vitalino Dantas

Bispo de Beja

Na última nota abordei a necessidade de restabelecer a confiança em todas as relações, para que a paz e o progresso sejam possíveis. Mas logo acontecem os actos de terrorismo em França e continuam em muitos outros continentes, mas sem o mesmo frenesim mediático. Tratar-se-á de rupturas que impossibilitam o restabelecimento da confiança ou simplesmente de acidentes de percurso, que vêm fortalecer os construtores da paz?
No evangelho, Jesus proclama felizes os construtores da paz, porque alcançarão o Reino de Deus. Apesar disso os seus seguidores têm sentido muitas dificuldades em seguir esse caminho e muitos foram e são vítimas de violência. Penso nos mártires ao longo dos séculos, mas também nos de hoje, em muitas partes do mundo. No entanto, são estas vítimas que vão mudando as mentalidades e atitudes, fazendo ver e crer que nunca haverá paz imposta pelo medo das armas e da violência, mas somente pelo dom da vida, o perdão e o amor, mesmo aos inimigos, como proclama Jesus.
Os milhões de pessoas que saíram à rua para dizer não à violência e sim à liberdade de expressão e de religião dão força a estes valores fundamentais das sociedades democráticas.
Mas a liberdade de pensar, de expressão e de acção não são valores absolutos, isolados de tantos outros também importantes, como o respeito pela dignidade das pessoas, com as suas opiniões e crenças, o seu direito a ser tratadas com igualdade e como irmãos.
Em nenhum caso podemos fazer justiça pelas próprias mãos ou tirar a vida a quem nos ofende. No entanto, as autoridades devem estar atentas e não permitir que os seus cidadãos, sejam maioria ou minoria, sejam maltratados ou difamados. O código moral dos cristãos é claro sobre como proceder. Mas quem não tem esses princípios deve respeitar, pelo menos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por isso nem todos somos “Charlies” nem terroristas, embora sejamos contra todos os actos de violência.
No meio das manifestações de solidariedade para com todas as vítimas, temos de fazer o nosso exame de consciência, pessoal e colectivo, e bater com a mão no peito, pois todos temos culpas nas situações de violência que vão acontecendo no nosso planeta.
A exploração de pessoas e povos, as desigualdades crescentes, a corrupção e o enriquecimento ilícito, as injustiças, o desemprego, o esbanjamento, o desrespeito pelas convicções étnicas e religiosas das pessoas, tudo isso cria ambientes de racismo e xenofobia, que fomenta a desconfiança e a violência. E nisto são tão culpados os fundamentalistas religiosos como os ideólogos ateus militantes, os indiferentes perante o mal do próximo e os que apenas falam mal dos outros e nada fazem para construir a paz.

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